DIÁRIO DA PANDEMIA
(*) Inaugurada a coleção primavera-verão de moda ridícula aqui no condomínio. A primeira a desfilar foi a imbecil que mora no bloco dos ofuristas. Trajava uma calça rosa debruada com vermelho e miçangas imitando prata que deixavam a vestimenta ainda mais ridícula. Deve ser aproveitamento de alguma fantasia de Papai Noel, isso nunca vou saber. A blusa me pareceu ser de gabardine, assim tipo cor de limão envelhecido; nenhum agasalho sobre os ombros, a idiotinha pensa que não estamos mais no inverno. Nos pés, botinhas de meio salto, moqueadas e displicentes.
Em seguida desfilou a Wilma, que já era moradora antes de virmos, eu e a patroa, morar neste fim de mundo. Antes de adentrar o carro dirigido pelo marido ou coisa que o valha, e que a levaria para destino para mim ignoto, apresentou-se com um collant cor de palha, botinhas marrom e blusa de emergência – dessas que a gente cata sem escolher, porque o taxi já chegou. Todas as peças brigavam entre si e, tentando apartar a briga, levava sobre os ombros um cobertor gaúcho e valente. Acompanhando a modelo, um piazinho tipo filho, que não tinha nada que estar ali, e só estava ali para empanar o brilho da mãe.
A terceira modelo a apresentar-se trajava um vestido puxado no laranja com tons mostarda, que ia desde o pescoço até a canela. Essa até aplaudi. Em seguida, tive que abandonar aquela apresentação porque a chaleira estava apitando e lá fui eu fazer o meu café.
(*) – Eu não consigo entender nada do que esse menino diz, Moreira.
– Calma, querida. Ele ainda é uma criança. Criança diz uma coisa quando queria dizer outra coisa bem diferente.
– Ele tem falado tanta bobagem, Moreira.
– É o jeitão que ele tem de dizer as coisas que levam a pessoa a entender que ele disse uma coisa como também poderia ter dito outra. E às vezes ele nem consegue completar o pensamento.
– Ah! Moreira, só você mesmo pra me traduzir o que esse menino anda dizendo.
(*) Não sei o que esse lance da Sanepar tem a ver com o meu problema. Estou na seca há muito tempo, independente de eu estar a utilizar mais ou menos água. A maioria do pessoal aqui do condomínio está mais para molhado do que para seco, principalmente os fantasmas do apartamento onde ouço três respirações quando só caberiam duas. Inclusive o cara, que é solteiro, sempre reúne primas ou lá o que sejam molhadinhas da silva. Sei de tudo isso pelas conversas que atravessam as paredes. E eu aqui encarando na valentia a seca imposta pela Sanepar.
OBS.: Encontrei um bilhete anônimo sob a porta: Estou na seca.
FRASE HISTÓRICA PROFERIDA POR CARAMURU: Vou ali na macega dar um xabu.