DIÁRIO DA PANDEMIA
*) O sargento (vamos dizer sargento) que mora com o capitão só canta em Inglês, e eu não entendo nada dessa língua. Talvez até fosse um código para se comunicarem entre si, vamos dizer. Deu duas da madrugada. Os dois marrecos estão no ofurô. Um cantando em Inglês, o outro imitando com a boca sons de instrumentos musicais. Tudo muito baixinho, para não incomodar ninguém. Mas, me incomodam porque tenho ouvido sensível. E não tenho ofurô para cantar em Inglês enquanto me banho. E não falo Inglês. E nem banho tenho tomado.
Um bilhete sob a porta: Hoje só lavei sovaco, ganha pão e bobajinha. Querem me intimidar.
(*) As crianças brincam de trocar figurinhas. Daqui de cima observo o alvoroço. Te dou a croroquinha miliciano pelas tuas croroquinha fogueteiro e croroquinha domador de ema. A resposta: No fiofó não vai nada? Croroquinha miliciano tem de monte. Me dá também a croroquinha trabalhando.
A figurinha mais difícil do álbum era croroquinha trabalhando. Era tão difícil que só ele tinha. Ele, vocês sabem de quem estou falando. Os meninos pediram para ele mostrar. Mostrou meio envergonhado, mas mostrou. Era fake news. Não existia croroquinha trabalhando, coisa nenhuma. Ele mesmo quem fez, para enganar a galera.
(*) Memórias que me assaltam. Eu muito jovem, em posição de sentido, batendo continência para o visitante que pousava na pista da Base Aérea. Lembro-me daquela figura austera, mas simpática, e puxava de uma perna enquanto caminhava. Quando passou por mim senti uma espécie de vaidade por me ter sido dada a oportunidade de estar ali, naquela recepção. Eu tinha a certeza de que estava diante de uma figura ímpar, uma pessoa de grande valor. Ele passou por mim e foi tragado pelos oficiais que o receberam. Dias depois os militares apoiavam o Golpe de Estado contra o Presidente Jango Goulart.
GRANDES FRASES QUE A HISTÓRIA REGISTROU: “E querem saber de uma coisa?” – pronunciada por Rafael Greca, dia desses.
É. Juntaram-se latifundiários, banqueiros, empresários bitelas, e dobraram a parte mole da CNBB para, ao lado de milicos sequiosos de poder, esculhambar as reformas de base proclamadas por Jango. Para acabar com as reformas pelas quais essa cambada gritaria até hoje. Latifundiários que tem terras a perder de vista, sem condições de nunca explorá-las com o plantio dum pé de feijão, passaram a não dormir por causa da turma do emeessetê acampada na beira da cerca. E todo mundo boquejando agora por reforma bancária e os banqueiros nem aí, ó, lascando o fiofó dos empresários bitelas que não competem nem com os industriais vizinhos do Paraguai. E dai que o Brasil todo amargou um quarto de século de absoluta escuridão, de retrocesso, de corpos vivos colocados em pé num caixa de cimento fresco que,, seco, se embarcavam em helicópteros e despejados em lá longe da costa.