por Thea Tavares
Certas coisas que a gente deixa de fazer marcam mais que algumas tantas realizações.
Não é essa uma afirmação pautada em nenhum grande tratado filosófico ou fruto de algum estudo existencialista mais aprofundado, não. É constatação pura e simples do cotidiano e das singelezas dessa vida.
Sabe aquela Lua de ontem à noite, que parecia o sorriso do gato da Alice no País das Maravilhas? Todas as vezes que a vir de novo no céu, saberei reconhecer a Lua que perdi na estrada.
Certa vez, viajando pelo interior, essa Lua acompanhou o carro por um bom tempo do nosso percurso. Em algumas curvas, ela se posicionava na lateral do motorista, atrás de morros ou entrecortada pela sombra das árvores; Em outras, mudava de lado e ficava visível para o carona. Mas, num determinado momento, ficou boiando exatamente no centro da estrada, bem na nossa frente, nos encarando e nos atraindo. Como é atraente e sedutora!
Nesse trecho de linha reta, entre a ultrapassagem de um caminhão e outro, ela ressurgia lá adiante, sorridente, flutuando bem no meio da estrada. Era o gato, gargalhando pra gente, nos tirando.
Meu colega, na direção do carro, se encantou e chamou minha atenção para a Lua, enquanto fazíamos uma pausa naquela conversa sobre de tudo um pouco, especialmente sobre as tarefas do dia seguinte e o planejamento das ações. A Lua exigiu esse intervalo. Percebi que até havia olhado para ela, sem a enxergar de fato. Ou a vi, sem me atentar para toda a extensão daquela beleza naturalmente iluminada e radiante. E a tal da Lua insistia em entrar na pauta da nossa prosa.
Quando mais um caminhão saiu da nossa frente e isso descortinou a paisagem, a cena fez eu me calar, afinal! Segurei a respiração. Toda a energia e a força que emanavam daquela visão foram arrebatadoras. Formou-se um quadro perfeito e vivo da natureza, que gritava para que a olhássemos e mergulhássemos nos seus encantos.
– Vou fazer uma foto! (Aleluia!).
Havia desligado o celular para economizar bateria nos trechos da estrada em que não havia sinal de telefonia móvel e nem conexão com rede de internet. Religuei o aparelho e o tempo que leva para processar todos os mecanismos e aplicativos iniciais foi o suficiente para que a Lua escapasse do nosso raio de visão. Desapareceu da nossa frente, desapareceu da estrada. Era mesmo o gato travesso se divertindo com a minha cara. Sumiu sumida, escafedeu-se. Não voltou a aparecer nas curvas seguintes e nem nas janelas laterais. Parecia expectativa – e posterior frustração – com anúncio de fenômeno astrológico em Curitiba: quando o céu, até então limpo e aberto, de repente, na hora marcada e no instante em que nos posicionamos para ver, fica encoberto e não deixa observar mais nada.
O Marquinhos, munido de sua versão mais fofa e simpática, disse para me consolar: – O importante é que a vimos! E ainda emendou: – O celular ou mesmo uma câmera fotográfica, a menos que seja daquelas com lentes poderosas, nunca captam a beleza de uma cena que a gente enxerga a olho nu. Claro que fiquei extremamente grata pela delicadeza dele, mas mais frustrada ainda porque sabia que no fundo, no fundo havia perdido a Lua que ambos queríamos reter, dividir com outras pessoas e relembrar, sempre que quiséssemos recuperar aquela magia, o deslumbre e reviver aquele sentimento.
Mas as palavras dele, se não suavizaram de todo a perda, fizeram transparecer e brilhar o carinho e a generosidade do rapaz ao lado, parceiro daquela aventura. Lembrei do comportamento das pessoas nos espetáculos que logo vamos voltar a prestigiar nos teatros, nos shows, nas apresentações artísticas etc, em que a gente se pega, em vez de aproveitar mais o momento, distraindo-se com a ansiedade de registrar tudo, para exibir logo em seguida e ostentar uma felicidade que nem sequer foi desfrutada por completo.
Enfim, a lua em questão se fez inesquecível, uma lembrança poderosa e fascinante da importância de se viver intensamente os momentos e as oportunidades que surgem no nosso caminho. Oportunidades que desenham um sorriso bem grandão no centro da nossa estrada.
Embora a gente saiba que só se tem agora essa história para contar em função do esquecimento de carregar o celular antes de sair de viagem. Tivesse feito tudo certinho, sequer nos lembraríamos do sorriso matreiro e apaixonante da Lua naquela noite.
Sempre quando o sol se vai,me embrenho em noites pantaneiras,cheios de cupins cintilantes e milhões de pirilampos iluminando a noite.Sai a Lua furtiva,azul,gótica bem ali nas copas dar arvores gigantes me convidando para lhe fazer companhia na ausência do sol,quem sabe até namorar com ela.
Zé, o Blog tem um leitor que se embrenha pelas estradas poéticas também. Presta atenção, aí, no S.Silvestre! #FicaDica.