DIÁRIO DA PANDEMIA

(***) Agora tenho todo o tempo do mundo para cuidar das minhas plantinhas. Tirei toda a tralha do guarda-roupa, para abrir espaço. Botei camisas, calças e gravatas no armário dos gêneros alimentícios, e reservei todo o espaço do guarda-roupa para minhas meninas. Aguardo ansiosamente que se transformem em flores, essas lindinhas, e nos fumaremos todos, uns aos outros, alegres, bandidos e tolinhos.

(***) À noite, não abro mão do pato com purê de maçã. Já tenho as maçãs. O pato há de chegar a qualquer momento, pedindo pelo milho que deixo no peitoril da janela justamente para prover minha mesa com tais seres emplumados. Ou como eu as pombas ou come-as o gavião.

(***) Carece de certo requinte o trato com os animais que nos alimentarão. Aquele caramujo grandão, que abunda no mato em Morretes, Antonina e advertências, que o Lange de Morretes (o mesmo que criou o desenho estilizado de uma pinha para as calçadas de Curitiba)batizou de Strophocheillus paranaensis, não deve ser consumido no momento da colheita. Há quem aplique naquele molusco um beijo devastador no ato, puxando a gosmelança da lesma. Isso é errado. Não estou nem falando do sentido erótico da coisa. Mas, sim que o animal deve ser preparado antes do consumo. Deve ser deixado em leite, para fazer uma limpeza dos limos com que se alimentou, para só então cozê-lo e degustá-lo.

Mesma coisa com os pombos que porventura venham me visitar. Não os devoro no mesmo dia, sei lá que minhocas andaram chupando. Deixo as aves a milho e água, para ficarem limpas. Eu tinha uma rola para hoje, que vinha guardando desde o dia da visita da síndica. Quando me preparei para o santo sacrifício, meus olhos se encheram de lágrimas. A pomba havia posto um ovo. Como matar um animal que se prepara para ser mãe?

ENQUANTO ISSO, NUMA RECEPÇÃO PALACIANA

 – Bonita festa, general. Soube que agora o senhor se dedica a fazer arte. Qual arte que o senhor faz?

– Pinto.

– Gosto.