por Thea Tavares
Pra ser bem sincera, acho cedo para a volta do futebol aos estádios em atendimento às pressões e demandas dos calendários e contratos firmados, como cotas de televisão e patrocínios, entre outras questões. Também sei que muita gente depende para sobreviver desse espetáculo todo no ar. Mas a pandemia não passou e por mais avançadas que estejam as pesquisas científicas, não temos antídoto e nem uma gestão sob controle dos sistemas de saúde que justifiquem baixarmos a guarda neste momento. Em boa parte dos estados, muito pelo contrário. Morrem mais de mil pessoas por dia no país, vítimas da Covid-19, o que significa mais de cinco vezes o número de mortos no vôo da TAM 3054 há 13 anos em Congonhas. Cinco desses aviões caindo em um único dia! Todos os dias.
Se não temos ainda como garantir a segurança dos envolvidos e expostos, não deveria ter voltado. Funcionaria, aliás, como excelente pressão para cima das autoridades que estão negligenciando ou eximindo-se das suas responsabilidades com as perdas de vidas por não suportarem as pressões da máquina de fazer dinheiro que só ganha lastro quando a galera entra em campo. E serviria de exemplo à população para quem o recado do futebol é de entendimento fácil e eficaz. Não são só os jogadores em campo, no banco de reservas, a equipe técnica, a arbitragem e os profissionais da cobertura de imprensa, que a gente enxerga pela TV, que estão por trás dessa estrutura toda de fazer a bola rolar até o apito final. Há funcionários, zeladores, técnicos de som e imagem, de eletricidade, motoristas, muita gente, enfim, nos bastidores, dando conta das engrenagens do espetáculo da bola.
Mas mesmo olhando só para os times em campo, chama a atenção como é que eles chegam até este momento histórico. O Mirassol, time do interior que despachou o São Paulo nas quartas de final do Paulistão e sofreu derrota neste domingo para o Corinthians de apenas 1 a 0 (com direito a expulsão discutível), sentiu a falta de 18 jogadores que tiveram seus contratos desfeitos durante a paralisação por causa da pandemia e teve de improvisar um time com 11 atletas das categorias de base e poderia ter escrito um outro enredo nas memórias do campeonato paulista de 2020.
As condições de desigualdade estão postas nessa arena como o dilema da preparação dos estudantes nas aulas de educação à distância entre alunos de escolas da rede privada e estudantes de escolas públicas ou, dentro de uma mesma instituição de ensino, entre alunos com diferentes graus de acesso e condições para acompanhar as aulas remotas e fazer suas tarefas pela internet. Mas não podemos esquecer que mesmo times grandes, como Fluminense e Botafogo, no elenco do primeiro estadual a voltar para os gramados no mês de junho, protestaram contra o retorno precipitado da Taça Rio, exibindo faixa que pedia: “Respeitem nossa história!”. Jogadores do tricolor carioca chegaram a divulgar uma nota também no mês de junho em que diziam não se sentirem confortáveis para colocar ainda mais vidas em risco e pedindo para os mandantes da zorra toda que se atentassem à dimensão da crise sem precedentes que estamos enfrentando.
Mas o fato é que o futebol voltou aos estádios, alheio à minha vontade e ao discernimento geral necessário, mas voltou. E não tem como ser apaixonado pelo futebol sem torcer para o seu time disputar, vencer e fazer bonito na reta final dos campeonatos estaduais com a sensação de experimentar de novo um pouco do ritmo de vida antes da Covid-19 – se for bem ser humaninho mesmo, vai secar o rival pra valer por pura diversão. Mesmo longe de termos plena segurança no sair e voltar para casa – a bem da verdade, a coisa mais concreta que mudou na vida das pessoas em geral foi a introdução do uso das máscaras porque no que diz respeito ao restante das precauções está cada um por si e governos contra todos -, a esperança de um retorno seguro está colocada ali no horizonte. Concordo que a vida tenha de voltar ao normal, também quero esse entretenimento agitando as emoções do final de semana, mas o problema está em forçar essa volta sem condições concretas de salvaguardar a vida e o bem estar das pessoas.
No rol das reinvenções que já são necessárias agora e serão mais ainda no pós-pandemia e dos ensinamentos de resiliência que tiraremos desse estado de privações, temos de abrir algum espaço não só para a esperança, mas para uma esperança com conscientização. Essa decisão do retorno dos campeonatos estaduais nos últimos dois meses e o vislumbre do “velho normal” na lembrança do apito amigo do VAR em favor dos grandes escudos, aumenta uma pulga atrás da orelha com relação à necessidade e urgência gritantes dessa conscientização. Sem o quê, a vida humana continuará valendo menos que um hambúrguer num sanduíche do Madero ou um bife num “pf” do Giraffas.
Uma grande parte da consciência coletiva é formada por exemplos. Se o presidente da República não leva a sério um problema, esse problema não será considerado importante por grande parte do país. É o que acontece no Brasil em relação à covid-19, ou a “gripezinha”. A volta do futebol, mesmo com estádios vazios, funciona da mesma forma. A mensagem transmitida para grande parte da população é que a pandemia está acabando, quando não é verdade, ao contrário. Mas o sujeito vê 22 jogadores se trombando em campo pela TV, o que ele faz? Chama os amigos e a família pra um churrasco, claro. Se oa caras podem se esbarrar, por que nós não. Portanto, não era hora pro futebol voltar no Brasil.
Bem lembrado, Marcelo! Obrigada pelo comentário e opinião!
Qual o problema de ter 22 jogadores testados, correndo ao ar livre, alegrando as pessoas na TV em casa. Fique 90 minutos numa panificadora qualquer e haverá mais gente, não testada, próximas, num lugar fechado. Fique num supermercado 90 minutos e haverá 50 vezes mais gente não testada, num lugar fechado.
Futebol sem público não é problema, é solução.
Murilo, obrigada pela opinião, muito válida, mas me deixou com uma dúvida: quem fica 90 min em sã consciência dentro de uma padaria ou de um supermercado hoje?
Eu acho que o problema é seu,e está na alfafa,ou talvez uma dose exagerada de cloroquina junto com ivermectina te deixou com essa coragem bolsonariana
Discordo. Quando vê jogadores entrando de máscara, reservas no banco de máscara, repórter de máscara, e estádio vazio, é óbvio que a pessoa entende que há uma pandemia. Ninguém é tão burro