por José Maria Correia

Coisas da vida. Há um mês apenas, eu, como os da minha idade e de bom senso, cumpria o isolamento social, fazia minhas caminhadas de máscara em ruas vazias e trabalhava em home office.
Poucos dias depois, do nada, já não conseguia caminhar e tinha dores atrozes nas pernas – tão fortes que dava vontade de pedir para amputar, por absurdo que pareça. Nunca tinha sentido nada parecido.
Em duas semanas eu já havia perdido dez quilos e toda a massa muscular. Uma loucura para quem estava bem e sem sintomas.
Fui internado de ambulância e maca – e foram vinte dias fazendo exames , os mais complexos, mas as dores e febres só aumentando e me consumindo.
Então eis que uma corrente de fé de amigos e amigas, esses anjos que me acompanham há décadas na vida real, surgiram no mundo virtual, me trazendo mensagens de esperança e de saúde e me incluindo em suas orações.
Durante as madrugadas de insônia eu as lia junto com as mensagens de ânimo e de fé.
Não quero parecer piegas, mais do que já sou, mas, debilitado, não raras vezes lia com o rosto molhado de inevitáveis lágrimas misturadas de dor e de desânimo.
Não fiquei com acompanhante para não expor ninguém a risco nessa época de tantas perdas e sofrimento.
Passadas duas semanas, tive vontade de desistir, pois a febre alta encharcava um pijama por noite e toda a roupa de cama.
Por exigência e precaução do hospital, estive isolado na ala de suspeitos de Covid, em razão da idade e de sintomas. Felizmente as suspeitas não se confirmaram depois de quatro testes.
Os anjos virtuais, família, amigos e amigas não deixavam que eu desanimasse numa espécie de vigília – e o sempre rigoroso e amigo Zé Beto a me cobrar ânimo todas as manhãs.
Mais exames, tomografias , sangue, pet scan plasma… e os médicos incansáveis, certamente inspirados pela corrente de generosidade que havia se formado, chegaram ao tratamento indicado para uma espécie de Poli Neuropatia, uma doença dos nervos das pernas ou algo muito semelhante.
Agora, depois de vinte dias, finalmente tive alta e eis-me aqui.
O tratamento seguirá em casa com remédios muito modernos de plasma e com fisioterapia e acompanhamento médico.
Estou tentando agradecer neste texto, mas sinto que não estou conseguindo como gostaria e na altura do que devo e das tantas generosidades que recebi.
Sempre raciocino comparativamente, e se vejo tantas pessoas em situação bem mais crítica, me constrange falar tanto de mim, em agradecimento . Tenho a consciência que sou um a mais apenas.
Uma pequena árvore em uma floresta, ou um paciente a mais nesse imenso hospital que se transformou nossa infelicitada pátria, sempre surrupiada pelos poderosos de ocasião.
Uma certeza adquiri nesta segunda situação de saúde grave que enfrentei: quem ajuda a te curar o corpo, através da ciência, da fé e da graça divina , cura também o teu espírito .
Através da compaixão, te abre os olhos para o amor que vai além dos limites da família e não escolhe a quem se destina – é mais amplo, fraterno e universal.
Finalmente, ao deixar o hospital e indo para minha casa, retornando ao isolamento social por tempo indeterminado, paro e dirijo meu olhar ao prédio onde estive por três semanas.
Enquanto nasce o sol de inverno, vejo chegando a passo rápido, apressados, as enfermeiras, os médicos , os funcionários, as serventes, os técnicos .
Todos que ficarão arriscando suas vidas por exposição para salvar a de outros, correndo riscos por nós, indefinidamente, e enquanto durar a tragédia da pandemia.
Não há palavras que possam fazer justiça a essas legiões de arcanjos.
Encerro dizendo que minha vida mudou novamente por essa forma mais sublime do amor que é a compaixão.
Dar ao que dela reste, o sentido mais digno que possa construir, qualificação da relação humana será a melhor forma de agradecer.