Vi o mistério que brotou no corte da navalha encantada. Onde estava antes de o sangue brotar do nada, como as lágrimas no calvário? Seria sangue mesmo ou a tinta rubra que explode nas imagens do touro espetado na arena, na cabeça sem rosto atingido pelas bombas, balas de todas as guerras? Na dúvida, olho mais e não saio dela, porque é assim que se encontra. Sou eu essa tela do artista invisível. Melhor, é minha vida desde o dia em que chamaram o padre para o batizado de mais um jurado para morte antes de ficar se encontrando com ela, procurando-a, evitando-a. Em nome de Cristo, não fui – ficou o sinal da cruz do dedo gordo no meio da testa. Quanto espaço em branco a emoldurar a pequena cascata que anuncia que estou vivo! Claro que sou eu! Claro que é o que pariu isso de dentro da dor de todos nós. Que bom! Temos vida para pintar, bordar, fazer, contar histórias. Com sangue nos olhos, essa expressão que se compara a sangue bom, aquela que ouvi tanto de um negro cujo coração parou antes do tempo e eu o vi chorar na cama do hospital – porque sabia que ia morrer e tinha tanta alegria para viver e passar. Grande espaço que todos preenchemos há tempos, mas às vezes nem notamos. Aí só vemos o coração sangrando e o bolero que criamos nos faz apenas sofrer, como se a letra inventada fosse gritada para alguém ouvir e nos salvar, apontar o caminho das pedras, para chegar lá – e esse lá não existe, apenas o caminho, para a sabedoria que faz do caminhar a coisa mais importante. Obrigado sangue por me mostrar o que fazer, mesmo sem saber. Meu retrato é assim, para sempre. Por isso ofereci a navalha cuja lâmina brilha à luz do sol para mostrar o bem, o mal, a dúvida, a vida, o mistério.
Isto é arte. Um louco goza numa tela e diz: morte precoce sobre a tela.
Isto é criatividade.
Monalisa aquela freira, ou pelo menos jeito, vale mais em função do artista, pois, se fosse um outro desconhecido nada valeria. A arte se faz pelo nome do artista e não pela arte.
Maravilhoso