10:44Fala de Gilmar Mendes pode ser usada para alimentar uma crise

por Elio Gaspari

Crises fazem parte da vida, golpes precisam de golpistas

Em abril do ano passado, quando era ostensiva a participação de militares na administração civil de Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão disse o seguinte: “Se nosso governo falhar, errar demais, não entregar o que está prometendo, essa conta irá para as Forças Armadas, daí a nossa extrema preocupação”.

Entregar o que prometia, o capitão sabe que não entregará. A pandemia e suas superstições confirmaram sua previsão de março: “Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo”.

Mourão acredita que o ministro Gilmar Mendes “forçou a barra” quando disse que, com a conduta do governo diante da pandemia “o Exército está se associando a esse genocídio”. Gilmar tem uma queda pelo exagero. Se tivesse dito que o Exército está sendo associado a uma ruína, o vice-presidente não poderia se queixar, pois estaria seguindo o raciocínio que ele enunciou há um ano.1

O Ministério da Saúde não tem titular. O general Eduardo Pazuello é um interino e na sua equipe há 24 militares. Com suas certezas epidemiológicas, Bolsonaro jogou-os na fogueira. Nelson Teich, paisano, foi-se embora.

Pinçado, o trecho da fala de Gilmar foi repelido pelo ministro da Defesa e pelos comandantes da Marinha, do Exército e da Força Aérea: “Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana”.

Se o caso ficasse nisso, seriam salvas trocadas, mas o Ministério da Defesa informa que representará contra Gilmar Mendes junto à Procuradoria-Geral da República.

Foi assim que nasceu o Ato Institucional nº 5.

Uma conspiração palaciana manipulou um discurso (irrelevante) do deputado Márcio Moreira Alves para que o governo pedisse licença à Câmara para processá-lo. No dia 12 de dezembro de 1968 o plenário negou o pedido e no dia seguinte o marechal Costa e Silva baixou o ato. Foram dez anos de ditadura escancarada, torturas e extermínio. No Ministério da Justiça estava um tatarana. A cabeça militar dessa urdidura foi a de um general miúdo, conspirador incorrigível. Jayme Portella de Mello foi para escanteio anos depois, sem ter conseguido a quarta estrela.

Como a manobra de 1968 deu certo, ela foi reciclada sete anos depois.

Num discurso, o senador Leite Chaves protestou pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog: “Hitler, quando desejava praticar atos tão ignominiosos como os que estamos presenciando, não se utilizava do Exército, mas sim das forças da SS.”

O ministro Sylvio Frota foi ao presidente Ernesto Geisel e, supondo falar em nome do Alto Comando, exigiu a cassação do senador. (O AI-5 estava em vigor.)

Quando Frota entrou no gabinete de Geisel, esta foi a cena, nas suas palavras: “Merda! Merda! Vocês querem criar um problema! Eu não quero ser ditador! A ser ditador, que seja um de vocês!”.

Frota miou, propôs uma representação contra Leite Chaves e nem isso conseguiu.

Com a ajuda do senador Petrônio Portella, um marquês do Império a serviço da República, capaz de tirar a meia sem tocar no sapato, o episódio foi diluído.

As duas semanas de recesso do Judiciário permitem que se jogue água nas cabeças quentes. Mesmo assim, a fala de Gilmar pode ser usada para alimentar uma crise. Para isso os golpistas precisam
dizer que o que eles querem é uma ditadura.

*Publicado na Folha de S.Paulo



Uma ideia sobre “Fala de Gilmar Mendes pode ser usada para alimentar uma crise

  1. SERGIO SILVESTRE

    Se colocar numa sala o Pazzoelo,Mourão,Heleno e os filhos do Bolsonaro,vamos escutar uma conversa com sotaques semelhantes,aquele sotaque malandro,aquela conversa de vendedor de ilusão.
    Essa caterva que assumiu o poder ~soa malandros agulha,todos mamam bem no estado e com o passar do tempo vai se ver que eles roubam de tudo,até doce de crianças.
    ]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.