por Claudio Henrique de Castro
Ninguém duvida que há uma escalada de poder das religiões no estado brasileiro.
A Constituição assegura a imunidade de tributos e, a partir daí, vários impérios foram construídos, nas telecomunicações, estações de rádios e de televisão, imóveis, bancos, construção de templos gigantescos e, basicamente, uma forte e estratégica inserção na política.
A Constituição garante que o estado é laico, isto é, sem religião, mas pastores e diversos segmentos religiosos se elegeram e se somaram às bancadas da bala (polícias, repórteres policiais, etc.), do boi (latifundiários e assemelhados) e esse pacote revela a super e influente bancada da bíblia.
Pastores, bispos e ministros religiosos são nomeados para cargos estratégicos no poder executivo; governadores e prefeitos lhes beijam as mãos. Prefeituras de grandes e pequenos municípios não fogem à regra, e tais segmentos se multiplicam no Poder Legislativo.
Falta preencher os cargos das cúpulas do Poder Judiciário, mas isso é apenas uma questão de tempo.
A novidade da semana é pastor como ministro da educação, com tudo o que isto pode significar para o ensino no Brasil e a quebra da liberdade de pensar o divino – apesar de ele ter doutorado em Educação pela USP e fazer parte do conselho da direção da universidade Mackenzie.
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm grande parcela de culpa nisto tudo. No STF duas decisões paradigmáticas erradas contribuíram para esta escalada desenfreada.
A mais importante foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2566 que não enquadrou o discurso de ódio e o considerou como mero discurso proselitista. Traduzindo: a propaganda da crença isenta pastores bispos e assemelhados de responderem pela propagação do ódio e da intolerância, pois estariam na liberdade de expressão religiosa.
Diferente do que o STF julgou quando entendeu que a liberdade de expressão não abrange o pedido de fechamento do STF e Congresso Nacional e nem o ataque aos ministros.
Neste sentido é que deveriam ter sido enquadrados os neopentescostais pelo discurso do ódio (hate speech), aliás, como o STF fez no caso Ellwanger (HC 82424).
Como se tratava das religiões afro-brasileiras e a bancada evangélica ser cada vez maior no Congresso Nacional, o STF preferiu desconsiderar o conceito da proibição da propagação do ódio, acobertando-o no manto da liberdade religiosa.
Depois atenuou este julgamento equivocado dizendo que não era bem assim (ROHC 146.303 RJ) e que o discurso do ódio não estava assegurado pela liberdade de expressão. Mas os ataques continuam e as instituições não atuam para conter o discurso insidioso.
Resultado: é cada vez mais comum a intolerância religiosa contra templos de religiões de Umbanda, do Candomblé e de outras religiões diferentes da que se aliou ao Presidente da República. Na busca por empregos se pergunta: qual a sua religião?
Intolerância e os mais abjetos preconceitos se espalham pelas mídias sociais.
A segunda decisão errada do STF (6 x 5 votos) foi a que permitiu a possibilidade de ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental (ADI 4439). O tamanho deste erro judicial será posto à prova com o novo ministro pastor, defensor de castigos físicos em alunos, coisa da Idade Média.
O Tribunal Superior Eleitoral é outro órgão de cúpula que permite este avanço descontrolado das religiões partidarizadas.
Não há proibições suficientes para conter a propaganda em tempo integral nas transmissões de cultos aos candidatos que recebem apoio das lideranças e dos donos das siglas religiosas-partidárias. São máquinas de fazer votos e eleger.
Por último, a compra de apoio governamental promovida pela distribuição de verbas de publicidade de governo é outra face disto tudo, declaradamente inserida nas rádios e canais de televisão católicas, comprando o apoio de sacerdotes midiáticos.
O resultado de tudo isto é o crescimento do obscurantismo de estado, a negação da ciência e a negação da pandemia, que já arrasta vítimas às dezenas de milhares.
A mistura de religião com Estado é velha conhecida da História, chama-se Idade Média.
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