13:17A reinvenção de Carlos

por Greg Mariano

Meu nome é Carlos, e sou o maior caçador de caranguejos do mundo.

Hoje vou contar a origem da minha sede por sangue.

Tudo começou há quatro anos, quando eu e a minha mulher decidimos levar as crianças à praia para comemorar a minha promoção na fábrica de canudos – agora, além de colocar os canudos nos moldes, eu era responsável por embalá-los e enviá-los para as centrais de distribuição.

Como eu ainda era recém-promovido, a viagem não poderia custar muito caro (apesar dos muitos privilégios de meu novo cargo) – então decidimos alugar um pequeno bangalô a um quilômetro de Pontal do Sul – entre a casa e a praia, havia um extenso, úmido e intocado mangue.

Após duas horas de viagem pela Serra do Mar, finalmente chegamos em nossa residência temporária. Meus dois filhos, Carlos e Carlos, tremiam de ansiedade para dar alguns mergulhos nas calmas águas de junho. Imediatamente colocamos as nossas malas no chão da casa e entramos no mangue, rumando à praia.

Já trajados em roupas de banho, andávamos em fila indiana em direção ao mar – eu ia na frente como um bandeirante, carregando um facão para cortar os cipós e abrir passagem no mato. Minha mulher, Carlos e Carlos seguiam logo atrás, agradavelmente brincando no meio do pântano apesar da lama que lhes cobria até o joelho.

Tudo parecia estar em paz – mal sabia eu que é neste exato tipo de momento que más coisas tendem a acontecer. Não mais do que quinhentos metros à frente de onde começamos, pensei ouvir um barulho inquietante e ver um enorme vulto andando pelos flancos de nossa pequena expedição. Apesar de alarmado, ignorei o instinto e prossegui cortando cipó após cipó, cantarolando e assoviando músicas de viagem.

Ledo engano. De repente, ouço um baque e um grito – “AAAAAAAAAAH!!! SOCORRO, PAPAI!” – berrava Carlos em desespero, caído na lama e sendo pinçado por um caranguejo que media ao menos quatro metros de diâmetro.

Me virei, facão em mãos, e gritei de volta: “CARLOS, NÃO SE DESESPERE – PAPAI VAI TE SALVAR ” – “Mas pai, eu estou bem” – começou o outro Carlos, que assistia a cena em confusão – “NÃO VOCÊ, O OUTRO CARLOS, OBVIAMENTE O QUE ESTÁ SENDO ATACADO POR UM CARANGUEJO ENORME”

Guiado pelo instinto de salvar a minha cria e com pensamento algum na cabeça, avancei em direção ao caranguejo com o meu facão de cortar cana, penetrando-lhe o tórax e trespassando-lhe de um lado para o outro. A sensação da faca penetrando a carne macia de um ser ainda vivo me deu vontade de vomitar, tamanho o horror da cena.


Dei um passo para trás e assisti de olhos esbugalhados o pobre animal contorcendo-se de um lado para o outro, confuso e tentando se salvar de qualquer maneira. O animal tremia e pinçava para todos os lados tentando libertar-se da faca em suas costas que comia-lhe a vida com rapidez.


Foi então que os seus olhos se encontraram com os meus. A adrenalina me consumiu quando percebi o que tinha acontecido – aquele caranguejo gigante notou quem o tinha esfaqueado. A enorme criatura virou-se em minha direção e parou de se contorcer – não sei se por segundos ou horas, mas ambos nos encaramos esperando a melhor hora para atacar.


Apenas uma coisa passava-me pela cabeça: “ESFAQUEAR! MATAR! MATE, MATE, MATE O CARANGUEJO ANTES QUE ELE PULE EM VOCÊ!! MATE O CARANGUEJO!”

Ele notou que a hora tinha chegado e pinçou com ambas as patas em minha direção para me provocar – de súbito eu pulei em cima do animal e gritei em plenos pulmões enquanto me esforçava em meio a pinçadas e saltos do bicho para tirar o facão de suas costas de maneira a poder esfaqueá-lo novamente:

“É hoje que você morre, seu caranguejo filho da puta!”

Depois de momentos me esforçando ao máximo, consegui puxar o facão e de imediato empurrei com força de volta no caranguejo, penetrando-lhe a casca vez após vez.
Esfaqueei, esfaqueei e esfaqueei. Quando acordei do transe da adrenalina e da morte, olhei para meus arredores e lá estavam Carlos e Carlos e a minha mulher, boquiabertos e observando a cena com lágrimas nos olhos.


Eu estava inteiramente coberto de lama, sangue de caranguejo e tripas, e senti uma espécie de sorriso assassino no meu rosto que cessou assim que notei a expressão dos meus familiares.
Quando vi o caranguejo morto embaixo de mim, o sorriso no meu rosto voltou com força redobrada. Ri a plenos pulmões quando notei que tinha descoberto a minha verdadeira vocação e felicidade na vida.

Voltando para o bangalô, liguei para o meu chefe no celular e me despedi da fábrica de canudos.

Aqui havia inúmeros caranguejos para eu matar.

(Greg Mariano)


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