por Antonio Delfim Netto
Pusemos em marcha o início da redução da desigualdade de oportunidades
O que define uma sociedade civilizada é a perseverança com que ela promove a igualdade de oportunidades para seus cidadãos. É ela que minimiza os efeitos da história e da geografia, ou seja, do ambiente do nascimento sobre o destino de cada um. O objetivo moral permanente do Estado deve ser, portanto, coordenar e dar efetividade à sua construção.
Pois bem. A igualdade de oportunidades começa com políticas públicas que cuidem da gestante com relação à sua saúde e alimentação e do suprimento de dois bens dos quais ninguém pode ser privado: água limpa encanada e esgoto tratado. Numa larga medida, são estes que determinam a higidez e a capacidade cognitiva do futuro cidadão.
Há 32 anos, a Constituição determinou que compete aos municípios os serviços de água e saneamento, mas ainda amargamos vergonhosos índices nos dois mais importantes supridores de igualdade de oportunidades: apenas 80% dos cidadãos têm água encanada e limpa, e menos de 50% têm esgoto tratado, sem falar no desperdício da água já tratada, que ronda 38%. Enquanto isso, o marco regulatório do setor dormia no Congresso desde 2001!1
Na semana passada, tivemos uma epifania, que revelou que as instituições estão funcionando. A competente colaboração dos presidentes Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia com o ministro Paulo Guedes ajudou a aprovar o excelente projeto relatado pelo ilustre senador Tasso Jereissati, que cria, afinal, o novo marco legal do saneamento. Para dar garantia jurídica aos novos contratos, o setor será regulado por uma reforçada Agência Nacional de Águas (ANA). Criou-se, assim, um ambiente para que possam coexistir empresas públicas competitivas, parcerias público-privadas e empresas privadas prestadoras de bons serviços a preços competitivos.
Abriu-se um formidável espaço para investimentos —qualquer coisa entre R$ 500 bilhões e R$ 700 bilhões em dois ou três anos— que, ao mesmo tempo em que aumentará a igualdade oportunidades, economizará em gastos de saúde e, primordialmente, aumentará a eficiência da educação. Basta lembrar que 49% das escolas primárias dispersas pelo Brasil não estão ligadas à rede de esgoto, 26% não têm acesso a água limpa encanada e quase 20% delas não têm nem sequer banheiro dentro do prédio em que funcionam.
Para surpresa geral, com um presidente comandado pelos piores preconceitos identitários e religiosos, demos um salto duplo “twist” carpado e pusemos em marcha uma importante medida civilizatória: o início da redução da desigualdade de oportunidades que até agora infelicitou a sociedade brasileira.
*Antonio Delfim Netto, economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.