por Claudio Henrique de Castro
Recadinhos e reprimendas públicas e institucionais tornaram-se rotineiras contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros. Tudo ilegal e inconstitucional. Liberdade de expressão não é ameaça frontal às instituições.
Ameaças antecedem às chineladas.
Um ano após o golpe de 1964, o número de ministros do Supremo foi ampliado de 11 para 16 para garantir a maioria do governo militar.
Era 16 de janeiro de 1969, três ministros foram aposentados à força: Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva pois eram considerados de esquerda pelos militares. Ao ouvirem o ato que os cassou pela Voz do Brasil, outros dois ministros saíram por não concordarem com a aposentadoria compulsória – o então presidente da Corte, Gonçalves de Oliveira, e aquele que seria o seu sucessor na Presidência, Antônio Carlos Lafayette de Andrada; ministro Adaucto Lúcio Costa saiu por discordar da lei de censura prévia.
No sábado passado, dia 13/06, oficiais de Força Aérea, com anuência do alto escalão das demais forças militares, enviaram diretamente ao Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal (STF) texto que exalta as qualidades das forças armadas e faz críticas ao decano do STF.
Recentemente, houve a fala do chefe da secretaria de governo do poder executivo, um general da ativa que ocupa cargo político, quando se manifestou negando a possibilidade de intervenção militar, mas afirmando para “não esticar a corda”, em referência ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o STF que julgará as notícias falsas na campanha presidencial de 2018 que elegeu a chapa Bolsonaro/Mourão.
Fatos anteriores estão na mesma sintonia fina.
Sérgio Etchegoyen, general, então ministro chefe do gabinete de segurança institucional da presidência da república, e João Tadeu Fiorentini, major-brigadeiro e então secretário nacional de segurança pública, foram ao TSE e reunirem-se com os Ministros a cinco dias do segundo turno das eleições presidenciais em 2018. (Do livro Os Onze)
O motivo da reunião foi a contestação da chapa presidencial sobre uma rede de empresários terem financiado o disparo de informações falsas em favor da campanha do capitão reformado (o mesmo caso, agora na pauta do TSE).
No dia anterior, um militar da reserva, Antônio Carlos Alves Correia, xingou e fez ameaças diretamente à Ministra Rosa Weber. Para completar o enredo, o então comandante do exército, general Villas Bôas, disse que tinha 300 mil homens armados que majoritariamente apoiavam a candidatura de Bolsonaro.
Nas vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula no STF (abril de 2018), o que poderia interferir negativamente na eleição do atual presidente, o mesmo Villas Bôas, mandou recado de intervenção na Corte Constitucional, pelo twiter, falando em nome do Exército e o repúdio à impunidade e assim o STF. Lula permaneceu preso e a jurisprudência do STF mudou, pelo placar de 6 votos contra e 5, a favor da liberdade até o julgamento em segunda instância, aliás, como consta expressamente na Constituição.
No dia 23 de maio desde ano, Bolsonaro mais Augusto Heleno, general, ministro do GSI, sobrevoam num confortável helicóptero uma manifestação e cumprimentam seus apoiadores pelo fechamento do STF e do Congresso.
Neste final de semana foram disparados fogos de artifício em cima do STF com palavrões e ameaças contra Corte.
Silêncio eloquente do presidente, nas horas que sucederam ao evento.
A explicação de tudo isto é simples.
O Brasil não teve uma justiça de transição como a que ocorreu na grande maioria dos países da América Latina que tiveram ditaduras militares.
Na Argentina, Uruguai, Chile e outros, as cortes constitucionais revogaram as leis de auto anistia dos ditadores e seus servidores, e os condenaram por crimes contra a humanidade.
Quem permitiu a transição sem punições no Brasil? O próprio STF por meio da decisão na ADPF 153 de 2008, que consagrou a tradição de anistias de militares no Brasil. Em resumo: crie corvos e eles arrancarão seus olhos (Bob Fernandes).
Os militares da ativa que agem desta forma cometem crime militar? A nosso entender incidem no tipo penal do art. 155 do Código Penal Militar, incitação à desobediência.
“Qual será o tiro de misericórdia? Aposentadorias compulsórias? Aumento do número de Ministros por meio de uma emenda constitucional ou ato normativo heroico do Executivo? Candidatos não faltam, há fila de espera na disputa dos supremáveis.
Ou simplesmente a tão prometida intervenção que garantiria longos anos no poder?
O atual Congresso Nacional, governadores e prefeitos assistem quietinhos, de olho nas eleições municipais para garantir a base das eleições de 2022.
Impeachment? Nem pensar.
A bancada “boi-bala-bíblia” apoia o que seu presidente determinar.
O fundo eleitoral de 2 bilhões abriu o apetite e a voracidade dos caciques partidários para as próximas eleições. Campanhas virtuais pagam a imaginação criativa dos marqueteiros e seus repasses.
Silêncio novamente.
Muitos políticos influentes estão enroladíssimos no STF, e seria uma bela chance de impunidade, caso a coisa por lá fique bagunçada.
O custo das vítimas da pandemia? É um mero detalhe estatístico: dezenas de milhares caminhando para as centenas.
Há esperança? O STF pode reagir aos recadinhos e às ameaças de chineladas?
Três processos de notícias falsas (fake news) no TSE e STF, investigado o “véio da Havan” como pivô de tudo isto, dentre outras coisas. Há notícias de que tudo está comprovado.
Lembrando a luta do século entre Muhammad Ali e George Foreman.
Em 1974 Ali tinha 32 anos, e o combate aconteceu no Zaire (Congo) contra Foreman (24 anos). O desafiante era mais forte, mais preparado. Depois dos treinos, o saco de areia em Foremam batia, ficava envergado, tamanha a força. Anteriormente, Foreman massacrou Ken Norton, o lutador que tinha quebrado a mandíbula de Ali, em assaltos.
Na luta, ficou claro que seria improvável Ali vencer – e ele apanhou até o 8º assalto, encostado nas cordas.
Foreman se cansou de tanto bater.
A doze segundos do final, do nada, Ali disparou uma sucessão de golpes finalizado com espetacular golpe no queixo de Foreman.
Venceu a luta.
Estamos na Democracia de Vizinhança. Só discussões de cerca. E muita fofoca nas mercearias e bares da república.
Pingback: Foreman versus Muhammad Ali na terra de ninguém - Blog do Manoel Afonso