9:00Destino

por Fernando Muniz

Morre e vai direto para o Inferno. Sem juízo final nem nada. Olha ao redor e é aquilo que os livros ensinam: caldeirões, gritos, grelhas rotativas. Anda para cá e para lá e é só danação. Eterna.

Continua a caminhar, certo de que, dali a pouco, vão jogá-lo em algum poço de lava. Encontra dois homens, elegantes, vestidos com ternos de defunto, concentrados em uma partida de baralho, a beber cerveja.

O mais velho puxa um maço de cigarros; o recém-chegado suspira. Faz tanto tempo que o proibiram de fumar! Doença maldita. E de que adiantou parar? Morreu mesmo assim.

Eles notam a sua presença e o mais velho oferece cigarro. Dos bons. Que delícia! Dali a duas baforadas, o recém-chegado arrisca uma pergunta. “Estou confuso. Aqui é o Inferno mesmo”? Os dois param o carteado. “Como?! Você é cego? Óbvio que sim. Ali serram; mais adiante assam. Lá no fundo queimam. E também congelam”.

O jogador mais velho baixa as cartas, sem mostrá-las e desafia o mais novo. “Quer ver? Então aposte”. Cartas boas, pelo jeito. Ou pode ser um blefe. Lugar diabólico, afinal.

“Que tal uma cerveja”? O recém-chegado faz que sim, com a cabeça. Sente o refresco da bebida, maravilha naquele calor. Mas logo se preocupa; aquilo não está certo. Cerveja gelada e um cigarro de primeira no meio do Inferno? E aqueles dois ali, a jogar cartas como se o mundo não tivesse acabado? Muito suspeitos.

Sente medo. Angústia. Olha para o lado e começa a desconfiar que, dali a pouco, vão levá-lo à câmara dos suplícios. Para sempre. Logo ele, que sempre pagou as contas em dia, não bebia nem sonegava impostos.

Mas olhava para a as pernas da nora, ah sim, isso fazia, muito, tão novinha, tão bonita. E sonhava com ela também, sem roupas, rendida a ele; maior indecência.

Será que foi por isso? Não pode ser. Nos tempos atuais, desejar a mulher alheia é um esporte nacional. Mesmo a do seu filho. Não pode ser! Muito injusto.

Começa a suar frio. As mãos tremem, a ponto de largar a cerveja. Tenta afrouxar a gola da camisa; não consegue. Mas que diabo! E se apavora com o que acaba de pensar. Será que falou alto? E se o dito resolve aparecer ali? Pânico total. Começa a andar em círculos, cada vez mais rápido, desgovernado.

O jogador mais velho percebe a aflição do recém-chegado e sorri. Seu faro para as fraquezas humanas não erra. Como sempre.

Desde a sua queda, lá do céu.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.