por Ruy Castro
Se Bolsonaro se aliar a Lula, seus seguidores continuarão com ele
Jair Bolsonaro se elegeu prometendo acabar com a corrupção, mas, a cada minuto, trabalha na sombra para impedir que ela seja investigada. E, mesmo assim, seus seguidores continuam com ele. Bolsonaro se faz de vestal para seu público, embora já tenha entrado para o governo cercado de laranjas, bandidos digitais e simples matadores e sua própria família seja um ninho de ratos. Mas seus seguidores continuam com ele. Bolsonaro se valeu da aura de santidade de Sergio Moro para se eleger e tratou-o a bofetadas no ministério, até que Moro se cansou, foi embora e o denunciou. Mas, entre ele e Moro, seus seguidores continuaram com ele.
Bolsonaro vive repetindo o bordão bíblico de que “a verdade vos libertará”, mas ninguém mente mais do que ele. Não há dia em que não desdiga o que disse na véspera, não transfira para os adversários as suas próprias lambanças e não ejacule ameaças que sabe que não poderá cumprir. E não há dia em que não seja desmentido. Mas seus seguidores continuam com ele.
Bolsonaro prometeu acabar com a velha política do toma lá, dá cá e, ao se ver ameaçado de impeachment, aliou-se aos piores praticantes dessa política —inclusive os que serviram aos governos Lula, Dilma e Temer. Bolsonaro nem se dá ao trabalho de disfarçar. Mas seus seguidores continuam com ele. Aliás, se Bolsonaro se aliar a Lula, seus seguidores também continuarão com ele.
E não há nada de absurdo nesse hipotético casamento —lembre-se de que Lula, traindo seu passado e seus eleitores, aliou-se um dia a Fernando Collor, José Sarney, Paulo Maluf e a grande parte dos, segundo ele, “300 picaretas do Congresso”. Em política, os picaretas se entendem, e uma união Bolsonaro-Lula, por mais improvável, não é impossível.
Na verdade, ela sempre aconteceu —porque, como se viu nesta semana, Lula precisa de Bolsonaro para sobreviver e vice-versa. Salta uma dobradinha Bolsolula.
*Publicado na Folha de S.Paulo