20:13Torcida contra que ele queria

… Esse é o Brasil de 2020. Grupos radicais especulam golpes a favor de um governante, e torcidas organizadas conhecidas pela violência no trato à diferença se dispõem a ir às ruas para defender algo que chamam de democracia. (Igor Gielow)

Confusão com torcidas é tudo o que Bolsonaro queria neste momento

Presidente invoca o fantasma da intervenção, e decano do STF divulga uma hipérbole alarmista

O conflito nos atos pró-democracia em São Paulo é tudo o que o bolsonarismo poderia querer para invocar seus fantasmas de uma intervenção militar em favor do presidente da República, ainda que o escopo dos incidente seja mínimo.

Esse é o Brasil de 2020. Grupos radicais especulam golpes a favor de um governante, e torcidas organizadas conhecidas pela violência no trato à diferença se dispõem a ir às ruas para defender algo que chamam de democracia.

Se entrará para a história deste ano a presença de pessoas na rua contra Bolsonaro, após repetidos atos em favor do presidente e de sua irresponsabilidade sanitária, não parece um bom agouro para o movimento tudo ter acabado em bombas de gás e correria.

Parecia óbvio que isso acabaria assim. Torcidas organizadas são o bolsonarismo com uma camiseta de time: pregam o ódio ao rival, a desunião e a submissão do adversário.

Sua existência, de resto um fenômeno mundial, levou o dito país do futebol a sediar incríveis jogos de torcida única nas arquibancadas.

O recado fica para a classe política, já devidamente assustada pela alarmista mensagem do decano do Supremo, Celso de Mello, fazendo uma comparação historicamente exagerada entre o momento atual do Brasil e a Alemanha na ascensão do nazismo.

Hipérboles, contudo, talvez sejam o único jeito de enfrentamento institucional quando um presidente se põe a galopar pela Esplanada dos Ministérios entre golpistas assumidos. Ao gosto dos histriônicos 30 (não 300) de Brasília, só faltou desembainhar uma espada e gritar “Esparta!”.

A questão, contudo, foge da teatralidade. Ela se chama artigo 142 da Constituição, uma peça mal redigida que permite leituras diversas —a rigor, o Supremo pode convocar as Forças Armadas para reprimir a baderna pública que acompanha as franjas mais radicalizadas do bolsonarismo.1

Ocorre que há método entre os apoiadores do presidente. Por toda a retórica de leões, são gatinhos na hora da prática. Já torcidas organizadas e seu atávico desejo pelo confronto oferecem a desculpa ideal para robôs clonados dos filhos de Bolsonaro no Twitter clamarem contra a desordem.

O mandatário máximo não faria melhor. Desde que a esquerda colocou o governo de Sebastián Piñera de joelhos com protestos no Chile, o presidente brasileiro insinua que o mesmo se dará por aqui. Para, logicamente, invocar sua leitura torta do artigo 142 —que, para o desalento dos ativistas, nada fala em fechar outros Poderes.

Sob ele, qualquer Poder constituído poderá chamar militares para resolver situações de anarquia. Nada disso se insinua com algumas centenas ou milhares de torcedores na avenida Paulista, é óbvio. Mas o que importa são as cenas pinçadas de embate com a Polícia Militar.

O presidente balança o 142 como um rato pestilento em meio a uma pandemia que ele ignora na prática. É notório que o serviço ativo das Forças Armadas despreza tal possibilidade no momento, apesar de fatias significativas de sua cúpula apoiarem Bolsonaro ao achar que o Supremo tem se excedido.

Essa já é a visão dos antes moderadores da ala militar no governo, ora transformados em insufladores de tensões. Bolsonaro só cavalga após os tais 300 do Brasil macaquearem a Ku Klux Klan de uma América inexistente entre nós porque se sente avalizado por eles.

A influência americana se viu também na via contrária, com uma tentativa de associar os atos brasileiros com a revolta que se dissemina por cidades dos EUA ante o assassinato do negro George Floyd por um policial branco.

Na confusão, ganha o presidente cujo mandato está ameaçado por diversas frentes. A mensagem do decano é hiperbólica e será usada contra sua presunção de isenção daqui por diante, não muito diferente do corre-corre de corintianos, palmeirenses, são-paulinos e quetais neste domingo.

Se ela terá o condão de organizar, de fato, alguma racionalidade acerca do debate sobre a permanência de Bolsonaro no cargo, essa é uma hipótese altamente especulativa agora.

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