por Fernando Muniz
O Destruidor descobre pelos jornais que o reino acaba de ser invadido. Misturados ao povo, ninguém consegue vê-los, nem soltam cheiro ou deixam rastros, o que gera medo e aflição. Tira da cinta um punhal comprido, rasga a jugular do mensageiro e chama a sua guarda pessoal.
Lobos cinzentos, acostumados a fazer o mal, são instruídos a executar qualquer um que represente ameaça, sem perguntas nem piedade. Como de costume. Mas desta vez voltam das rondas sem nada, enquanto os invasores, indiferentes às forças de segurança, espalham a morte sem escolher velhos, adultos ou crianças, antes um privilégio do Destruidor.
“Intolerável! Onde já se viu tamanha insolência”! Mais jornais, mais jugulares. O lobo-chefe, ao perceber a frustração com as rondas, pensa em voz alta: “se não acabarmos com os invasores a situação vai fugir do controle”. É apunhalado ali mesmo, na sala de comando e substituído, de imediato, por um sósia. Alguns desatentos creem que o morto, na verdade, teve um desmaio.
O Destruidor solta um suspiro e espanta todos da sala. Irrita-se com o sangue escuro, pegajoso, que emporcalha o seu punhal. Precisa de alternativas; por que não chamar os cães de volta? Eficientes e fiéis, foram escorraçados no início do reinado, em favor da nova ordem. Mas lealdade tem preço. Sempre teve. Olha ao redor, para ter certeza de que está sozinho. Toma o cuidado de não emitir som nem mudar a expressão do rosto; lobos são animais sagazes.
Sem tempo a perder, o Destruidor decreta novas providências. Buscas casa a casa, fuzilamentos a esmo, confisco de bens. Pouco importa se trarão resultado; o momento exige alguém que resolva fazer o que precisa ser feito, senão a turba, volúvel, escolherá outro líder. Explicações? Arrumam-se depois.
Os lobos, no pátio do palácio, preparam outra ronda, certos de que, com os novos poderes, encontrarão os invasores. Em ordem unida, cantam marchas que falam de honra, pátria e sacrifícios.
O Destruidor observa a os preparativos sozinho, do seu gabinete. A coite cai. Faz frio e uma garoa deixa o céu fosco. Não nutre quaisquer esperanças com aquele espetáculo; enfraquecem o espírito.
Passa a mão pela cinta, em busca do punhal.
E resolve chamar os cães.