por Fernando Muniz
Toda quinta, às 23:00, por dez anos. Já são quase uma cooperativa, de tão unidos. Mas por conta das restrições que a gripe trouxe precisam decidir se continuam ou não, pelos riscos que correm. Todos na frente da tela, a reunião começa.
Seja pelo hábito seja pela vontade, resolvem continuar. Só que o governo fez um decreto atrapalhando tudo. Nada de multidões; no máximo oito pessoas. E eles são nove.
Alguém se dispõe a não participar? De jeito nenhum. Silêncio na sala virtual. O mais novo quer falar; por ele tudo bem, fica de fora. A reação é imediata, a começar pela mulher do líder.
“Fico a semana inteira cuidando da casa e das crianças, contando nos dedos quinta chegar”! Ela pensa no rapaz, tão alto, vinte aninhos, jogador de vôlei e tênis quarenta e sete. É a razão de ela vir, na verdade. O marido compreende. “Não, você vai continuar”! As outras mulheres do grupo aplaudem, sem pensar duas vezes.
“Que tal um sorteio”? Muito imprevisível, todos dizem. Mesmo assim jogam os dados. O mais velho acaba escolhido. Ninguém aceita o resultado, afinal a ideia dos encontros, desde o início, foi dele, para espantar a viuvez. Ainda que no grupo de risco ele está em plenas condições físicas. Seria uma injustiça tirar a sua única distração.
O tempo passa e a situação piora. “Acabei de ler que o governo baixou outro decreto e, daqui por diante, reuniões só a cinco. E agora”? A filha do velho suspira, agoniada; após o divórcio não tem tempo a perder.
O líder resolve ligar para um motel conhecido, meio cafona, que eles usavam nas primeiras quintas. Quem sabe arrumam a solução?
Um rapaz de voz suave atende. “Sim, estamos abertos”. Mesmo para um grupo tão grande? “Sem problemas”! O preço é alto. “Mas vocês sabem que, se o governo der batida, fecham a gente”.
O líder fica fascinado com aquela voz. Meiga, doce. Pensa como ele seria, que roupa veste. “E se forem quartos conjugados”? A esposa percebe o corpo do marido enquanto ele negocia. Fica feliz ao vê-lo de novo potente.
Posto o assunto em votação, resolvem ligar para outro. “Temos a Bora-Bora, com quatro ambientes, cascata na Jacuzzi e teto solar. Ou a Pukhet, que além de tudo isso serve um luau, desde que a reserva seja com um dia de antecedência. A Itaparica é só cama, Jacuzzi e sauna para dois. Mas nela a gente não cobra o pernoite”. Cabe todos? A voz do outro lado da linha, de porteiro de boate, faz as contas. “Na Itaparica é mil para quatro pessoas e cada convidado extra paga mais duzentos”.
Outra ligação. “Sem chance, parceiro. Com tudo fechado por aí o pessoal tá vindo direto fazer festa. Liga na segunda que é mais garantido”. O dia acaba, é quase hora do encontro e o impasse continua.
O líder liga de novo para o primeiro motel. Aquele rapaz, aquela voz. Se ele vier junto, terão dois grupos de cinco, em quartos conjugados.
E será uma delícia.