por Fernando Muniz
O Destruidor,sua face de pedra crispada, não se conforma com quem resiste a se atirar no abismo e solta lobos cinzentos pelas ruas. Aliados de primeira hora ou por conveniência, marcham com olhos injetados e botas lustradas, batendo palmas para os discursos do Destruidor, que fala de improviso e não explica suas ideias. É o Destruidor, afinal; isso é o que basta. Ou deveria.
“Todos vão morrer algum dia, mais cedo ou mais tarde, pela manhã ou à noite. Não há o que possamos fazer, senão deixar a Natureza seguir o seu curso. Corram, meus filhos, atrás dos que não entendem a nossa mensagem”.
Os lobos babam e uivam enquanto arranham portas ou tentam subir pelas janelas de quem insiste em se recolher durante a passagem da tropa. Animais no cio, também devoram uns aos outros, quando o Destruidor assim ordena ou dá sinais de ser essa a sua vontade, a qual se transforma, aliás, de acordo com os ciclos da lua ou o fluxo das marés, a depender do dia e da estação do ano. É o Destruidor e ponto; pouco importa o que diga ou faça, desde que seja Ele a dizer ou fazer.
Palmas para todo o lado, luzes apagadas. Os lobos voltam de sua ronda exaustos, satisfeitos com o dever cumprido. Penduram cabeças degoladas em praça pública, para ninguém esquecer a mensagem. Olhos esbugalhados e bocas abertas de espanto e terror, no alto de estacas com três metros de altura, a formar uma floresta sem movimento, salvo o dos abutres e corvos a cutucar as carnes.
O Destruidor contempla o resultado da caçada no dorso dos lobos mais submissos, mais cinzentos, de botas mais lustradas.
Dali admira o abismo, que engole o horizonte e a luz do entardecer.
E sorri.
Andou cheirando, Fer?
Enxofre.