de Fernando Muniz
As cenouras, tomates, couves-flores e rabanetes gostam de luz. E o sol tem sido generoso com as plantas, enquanto cruza o céu sem nuvens, há dias. Bonito de sentir, assim como é bom o barulho dos besouros entre as folhas, o vento no rosto a refrescar a caminhada e o abraço que as plantas lhe dão, em seu passeio entre as linhas de milho.
A horta traz à lembrança os netos, agora adolescentes, quando corriam para lá e para cá no meio da plantação e subiam em árvores, livres do apartamento, livres dos pais, espantados com aquele jorro de vida.
Não que tenham deixado de gostar da horta. Não mesmo; adoram, embora tenham aparecido cada vez menos. Começaram a telefonar com frequência, coisa que não costumavam fazer. Assim como os pais deles, de usual tão centrados em suas vidas. “Como estão as coisas”?
Não estão. Tudo parado. Menos os passarinhos, que pulam de um vizinho para outro. Ela põe olho gordo neles. Quem diria, os engaiolados são os humanos – por conta de uma gripe esquisita.
Mais uma doença, feito sarampo, rubéola, caxumba ou febre amarela. Antigamente era uma doença atrás da outra e de vez em quando várias ao mesmo tempo, aleijando e matando quem estivesse pela frente. Aí arrumaram vacinas e, hoje em dia, só se quiser alguém volta a pegar uma delas.
Mas desta vez é diferente. As pessoas estão proibidas de sair, inclusive as mais velhas. Especialmente essas. Não tem vacina, nem remédio. Ela nunca viu uma coisa dessas, nem quando o Getúlio se matou, ou o exército derrubou o Jango.
Não dá para se conformar. Ela precisa ir à padaria, conversar com as amigas, caminhar pela calçada. Que mal pode haver nisso? Não é teimosia, nem capricho ou rabugice. É respirar.
Pois parece que os filhos colocaram alguma câmera na casa; mal ela chega perto do portão e o telefone toca. Não há o que fazer senão entrar em casa. Olha para as agulhas de crochê e os novelos; não se anima.
Em cima da prateleira da sala, um álbum de fotografias, que apanha sem muito gosto, atrás das fotos do casamento. Quem diria que um dia ela já teve a vida pela frente.
Vai passar, isso vai passar, ela repete sem muita convicção, enquanto anda pela casa, impecável de tanto ser varrida e espanada.
Junto à janela percebe um sabiá grande pousar em uma mangueira, lá no alto. Lindo, envolvido pelo sol. E larga o álbum.
Resolve voltar à horta. E respirar o mundo.