por Manuela Cantuária
“Onde a senhora pensa que tá indo, mãe?”
“Vou dar uma volta. Não tem nada pra fazer nesta casa.”
“Ah, mas não vai mesmo. A rua tá um perigo, ainda mais pra senhora. Negativo.”
“Que besteira, garota. Todo mundo saindo de casa.”
“Você não é todo mundo. Quer dizer que se todo mundo se jogar da ponte você se joga também?”
“Eu só vou encontrar a Beth.”
“Ah, tinha que ser. Mãe, essa tua amiga é camicase. A Beth frequenta posto de saúde, supermercado Guanabara, manifestação contra o Congresso. Outro dia o Fabinho viu ela lambendo o corrimão do metrô. Também, a filha deixa ela a Deus dará. Não impõe limite, dá nisso. Eu já falei que não quero você andando com ela.”
“Você não manda em mim. Eu tenho 67 anos na cara.”
“Por isso mesmo, você é grupo de risco. A Val, mãe do Fabinho, a essa hora está aprendendo a fazer uma orquídea de origami, botando os DVDs em ordem alfabética, fazendo uma sainha em ponto cruz para o bujão de gás, só coisa bacana.”
“Quantas vezes eu vou ter que dizer que eu não sou a mãe do Fabinho? Que inferno!”
“Fala comigo direito, que eu não sou tuas amiguinhas. A senhora quer ir aonde, que mal lhe pergunte?”
“Eu vou ali na padaria… Do aeroporto.”
“Aeroporto? Você quer me matar do coração, é isso?”
“Para de drama. É só um bate volta.”
“Com que cara eu vou dizer para o resto da família que deixei minha própria mãe, sangue do meu sangue, furar a quarentena para ficar batendo perna no aeroporto? Que desgosto, meu Deus, que desgosto.”
“Faz o seguinte, eu vou na padaria aqui da esquina então. Pronto. Tá feliz? Eu tô levando álcool em gel, tudo direitinho.”
“Não faz mais que a obrigação. E vê se bota uma máscara.”
“Máscara? Eu não vou pagar esse mico. A Beth vai me zoar pra caramba.”
“É pro seu bem, mãe. Você ainda vai me agradecer, escreve o que eu tô te falando.”
“Não tô achando máscara nenhuma.”
“Sueli Dias de Almeida, eu vou contar até três.”
“Pronto, achei. Eu visto ela no Uber. Preciso ir, filha.”
“Manda a localização e… Peraí… Uber? Você não ia na esquina? Tá achando que me engana, dona Sueli? Pra mim chega, eu vou ligar pra filha da Beth agora mesmo!”
*Publicado na Folha de S.Paulo
Se todos os nutellas se esconderem debaixo da cama, voce também se esconde?