por Yuri Vasconcelos Silva
Vejo a traça cruzar uma fita de luz ocre e dura riscada no teto, enquanto não consigo fechar os olhos aguardando aquele estranho limiar entre estar acordado e não. Um momento que nunca consegui fotografar em minha mente como uma experiência a ser recordada. Nunca. A verdade é que nem sei se foi mesmo uma traça, uma aranha pequena ou um cisco no olho. A cortina não deu conta da janela e deixou a luz vapor de sódio da cidade silenciosa escapar entre os panos e fazer este traçado que cruza o forro e some no espelho. No meu quarto, um pedaço da cidade. Estes dias de isolamento tenho observado cada detalhe destas paredes que me separam do resto do mundo e do universo, a velha idéia de subir membranas para nos apartar de tudo o que existe e sempre existiu, para criar uma nova existência e significado. O que existia antes da arquitetura, da construção? Estaria deitado em um lugar de clima não hostil ao meu corpo, sob o céu estrelado, desnudo e aberto a todos os prazeres e perigos do mundo natural. Ao sinal da tempestade que se aproxima, buscaria um abrigo manejado pela natureza, qualquer que fosse, um buraco na rocha, uma árvore de densa folhagem ou mesmo enfrentar o pé d’água com o conforto da lembrança que a água que molha, sempre cessa e depois seca. Uma vida de imediatismos. Tenho sede, busco líquido. Tenho fome, busco comida. Às vezes difícil, outras vezes não. Morreria mais cedo, sim. Mas eu não saberia, e seria uma vida mais plena, talvez. Borboletas vivem pouco, mas elas não sabem do fato. Não saber talvez seja a chave. Sabemos tanto, e então alguém construiu estas paredes e este teto. Agora estou separado da natureza primordial, dentro de um cubículo de três por três por três, no meio de uma cidade feia, cheia de luz vapor de sódio, sem conseguir dormir. Invejo aquela traça por ainda existir em um mundo de necessidades espontâneas, conectada à poderosa simplicidade da existência. Mas tudo o que queria era dormir.