por Mário Montanha Teixeira Filho
Quando o ano de 2018 terminou, sabíamos que nos aguardavam tempos sombrios. As turbulências políticas desencadeadas em 2013, o impeachment de 2016 e as travessuras da Lava Jato deram palco e protagonismo à extrema direita. A montanha de extravagâncias, malandragens golpistas e obscurantismo pariu Bolsonaro, militar bunda suja – a expressão é da caserna, e se aplica a oficiais que permanecem estacionados na carreira – feito presidente da República.
Bolsonaro sempre foi a antítese da civilização. Não surpreende que cometa desatinos em série, que reverencie a tortura, que desrespeite a liberdade de expressão, que se alie a destruidores da natureza ou que odeie a ciência e as artes – reflexos de uma personalidade atabalhoada e cruel, prisioneira de um mundo paralelo, em que o mito se constrói a partir da deturpação da verdade. Os donos do mundo, controladores das riquezas e da comunicação, sabiam disso desde sempre. Mesmo assim, apostaram nos serviços oferecidos pelo pequeno fascista. Foi o que lhes sobrou diante da agonia das instituições representativas do “povo”.
Atravessamos um ano de derrotas, de supressão de direitos individuais e coletivos, de ataques incessantes ao saber, à saúde, às minorias, e de ascensão do Estado repressor e autoritário. E, como se fosse pouco, a peste mundial a nos cercar – pesadelo, monstros que devoram vidas, a serpente (la mato y aparece una mayor / con mucho más infierno en digestión). Recolhemo-nos, prisioneiros dos abrigos possíveis, em busca do ar que falta, enquanto céus e mares se limpam, bichos renascem e flores brotam como nunca. As coisas não andavam bem, avisam-nos os deuses, e ficamos à espera de algum sinal, da salvação desejada. Com saudade do simples, do abraço, do trago, da trave, da bola e do passo sem compromisso por calçadas cotidianas.
Por aqui, algo mais a afastar além do vírus impiedoso: o chefe improvável, capitão da morte, rei mal coroado, a tristeza. Que sejamos nós os atores da revolução necessária, antes que nossos inimigos (aqueles que bem conhecemos) nos amassem e deixem tudo como está.