Da capa do livro “As Fantásticas Aventuras de um Motociclista na Muralha da Morte”
por Patrícia Iunovich
Um silêncio sepulcral antes da crise convulsiva de choro. Jaz ali agora no nada, em uma cova qualquer, o corpo de um homem que era um semideus em seu infinito particular. Um homem que se desafiava em seu propósito de ser um grande artista. Mas não desses que usam a expressão desafio de forma clichê. Ele foi o que queria ser. Amoral? Imoral? Não havia tempo mais de se esculpir. Tornou-se assim. Era uma espécie de sopro de morte em busca de vida. Ele a desafiava todos os dias: na acrobacia, no excesso de bebida. Na falta de cuidado com a própria saúde. E morreu de forma estúpida. Porque o imponderável paradoxalmente pode estar no provável. Foi de doença. Foi por negligência. Feito pra cair, se levantar e fazer o show, foi nocauteado por uma pneumonia em menos de três dias. Foi antes de descobrirmos seus mais secretos desejos ou simples aspirações. Era engraçado, mesmo depois de usar farpas de crueldade. Dizia frases prontas, como “deixa a vida me levar”, “a vida é uma grande ilusão”. E chegou o fim pra ele, como chega pra todos nós. Neste dia 31 de dezembro sepultava meu pai. El Grand Capy já vivia no anonimato havia tempos. Naquele dia, enterrava o corpo do homem de gênio mais difícil que já conheci, mas também o mais sedutor. Capy morria pra viver pra sempre. Pena que se despediu antes de ver um encontro de alma e sangue, desses típicos de novela. Tive a oportunidade de conhecer minha irmã logo depois que ele se foi. Katty, a Antônia, tem minha idade – apenas seis meses mais velha do que eu -, e nasceu na última semana de dezembro. Conjunção de astros? Não. Teimosia. Ela nos procurou e eu a identifiquei por uma simples pergunta dirigida dela a mim. Não precisava DNA. Nos apaixonamos de cara. Teríamos a partir dali família completa. Eu, meus irmãos, uma meia (inteira) irmã e novas sobrinhas maravilhosas. Choro. Uma pausa. Meu pai não foi fácil, mas era autêntico. Algo que admiro. Não seguia padrões e ninguém o enquadrava. Um argentino em sua essência. Seja aonde você estiver, se é que existe algum lugar além daqui, meu amor estará sempre contigo. Obrigada pelo pai dos últimos anos. Obrigada por viver intensamente. Você foi o cara. Amanhã o sepultamento terá passado e você já estará fazendo loucas acrobacias na Muralha da Morte em outras paragens e aqui no meu peito eternamente. Salve Capy, salve Antônio.