7:06Caminhos do coração

por Thea Tavares

6.700 mensagens novas, não lidas. Tal condição decreta a falência completa da organização do tempo e atesta todo o despreparo da pessoa para o mundo atribulado, ligeiro, tenso e excessivamente tecnológico de hoje em dia. Cazuza partiu muito cedo. Quem sabe até pela consciência do correr de um tempo que não para e porque não coubessem nessa cena de agora os desejos de alguém que só ambicionava gozar “a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida (…), matando a sede na saliva”. O mundo não se coloca acolhedor para os que sonham, questionam, desejam. O babado atual é muito mais nervoso e reativo.

Mas duas almas que ainda têm suas naturezas e sensibilidades ancoradas no passado das interações sociais sempre conseguem se buscar e quiçá se reconhecer dentro dessa adversa realidade. Percorrem caminhos confusos, inseguros e demorados para lá adiante empreenderem de alcançar corajosamente esse desconhecido e incerto estado de prazer e de identificação, que dribla os empecilhos dispostos à frente. Foram décadas vivenciando na prática o que parecia ser uma interminável punição de Sísifo, para se enxergarem, nos dias atuais, ousando acreditar na perspectiva da construção de uma história diferente, em que esses caminhos possam se cruzar e se fundir num único percurso. Um belo de um idealismo sobrevivente e tolo!

Não inventaram tecnologia que exproprie por inteiro a esperança dos olhos e do coração de duas almas intensas e apaixonadas. Nem que sequestre da vontade toda a determinação capaz de superar medos, conceitos pré-estabelecidos e convenções. Essas duas almas, que perambulam a esmo pelas ruas da cidade, só querem se encontrar. Vivem de se nutrir das sensações provocadas por esse desconhecido e das autossugestões que formulam a partir das suas próprias intenções. Não precisam trocar uma única palavra, pois estabeleceram uma ligação que dispensa mesmo o verbo e passeia pelo imaginário das idealizações de cada um.

No livro “O Retorno e Terno”, Rubem Alves – sempre ele! – explica por que no conto de fadas “A Branca de Neve e os Sete Anões” sua preferência recaía sem sombra de dúvidas sobre a figura da madrasta e naquela sua relação passional e insana com o espelho. Não pretendo dar spoiler do livro, mas só me valho da lembrança desse trecho para citar o pensamento do escritor sobre o fato de que “amamos as pessoas não pela beleza que existe nelas, mas pela beleza nossa que nelas aparece refletida”. E em outra passagem, na qual cita Hermann Hesse: “o que amamos é sempre um símbolo”.

Por essa e por tantas outras, que a moça, na sua difusa, exagerada e insensata busca do desconhecido, em tempos tão inóspitos aos seus devaneios, nunca saberá o que se passa na cabeça dele quando seus olhares se cruzam e se desviam. Jamais conhecerá, aliás, as razões pelas quais sua presença parece motivar ao mesmo tempo pequenos divertimentos e incômodos. Se fosse conhecedor da curiosidade que a devora por dentro, da emoção que transcende e que a emburrece, teria a generosidade de lhe dar pistas sinceras dos seus sentimentos e anseios também. Caso estejam lá de fato, escondidos em algum canto. Sem demandar o empenho de ter de interpretar as entrelinhas. Não, por Deus! Que se apresente de maneira pormenorizada e didática, visando a mais fácil compreensão.

Nesse mundo real, inibidor de sonhos, contraditoriamente é só mesmo a realidade que ela tem para lhe oferecer. Sem disfarces, jogos ou fingimentos. Somente a entrega da mais simples e complexa forma de maduramente ser gente e que teima em ser humana. Sabe-se lá se conseguirá cumprir tal promessa ambiciosa, mas é o que se coloca como sua mais pura intenção. Lembro-me de uma entrevista concedida a um programa de TV, ainda em preto e branco, em que o saudoso Gonzaguinha comentava que “o caminho do coração são as pessoas”, essas caixinhas de surpresas que embelezam e enlouquecem nosso dia a dia.

No assombro de um mundo que imprime uma velocidade alucinante para mudanças e inovações e que impõe a tomada de decisões rápidas, a moça se concentra no essencial. Paralisa seu próprio relógio interior e aguarda pacientemente o desenredar das incertezas e a sincronia das aspirações suas com as dele. É quando percebe também que atingiu a marca das 6.822 mensagens na sua caixa de e-mail e isto denuncia mais uma vez a sua inteira inaptidão para corresponder à dinâmica desses tempos. E, a quem interessar possa, isso pouco lhe importa!

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