por Thea Tavares
O melhor do dia dela são aqueles fugidios cinco minutos em que pode reter no seu campo de visão o objeto dos mais íntimos e sufocados desejos. Se ele ao menos imaginasse o poder que tem sobre aquela vida, ficaria mais tempo ali por perto, se demoraria um pouco mais, sorriria mais vezes com aqueles lábios desenhados que traz no rosto. Se sentisse o calor daquele olhar sobre ele, talvez desfranzisse a testa marcada por preocupações, conseguisse até ouvir o suspiro profundo dela no outro extremo da sala e olharia mais vezes em sua direção, com toda a doçura que transborda por aquele olhar distante e tão atraentemente doce, maduro, compreensivo e acolhedor. Fosse isso de alguma serventia para ele ou não, deveria consagrar mais tempo na presença dela. Nem que prestasse apenas para massagear seu ego com a atenção tão carinhosamente dedicada, nunca pretendida e longe de ser retribuída.
Mas ele sequer se dá conta da insignificância da moça. Eu a odiei por se enxergar tão miserável. Algumas vezes ela suspeitou que o homem se apercebesse da sua presença, mas esse pensamento esperançoso nem bem havia sido formulado, colocado à prova, questionado, quando avistou as costas dele se afastando novamente. Lá se foram seus cinco sagrados minutos. Agora, só voltaria a vê-lo no dia seguinte. Será? Até isso era incerto e machucava por dentro. Que falta que faz um Rubem Alves numa hora dessas! Ele conseguia explicar desencontros assim com tamanha beleza, que tornaria leve e suave aquela torturante, triste e frustrante espera de cada dia. O escritor materializaria de alguma forma uma solução “Pollyanna” para aquela situação, que inundaria o sofrimento da moça de delicadeza e de gratidão por viver nesse interminável monólogo de sentimentos.
Bem no fundo, ela era sabedora da fragilidade ou da inutilidade de angustiante espera. Mas a coisa foi ganhando corpo de tal maneira, que acabou preenchendo um vazio interior, sempre camuflado pela explosão de espontaneidade que se manifesta do lado de fora. Sorrisos, abraços, gestos e tagarelices disfarçam o desconforto e a ansiedade ao longo dos mais prazerosos cinco minutos do seu dia. Por sorte, o barulho em volta não deixa o coração a trair e revelar o turbilhão que a consome. E a moça quase sente saudades de um cheiro que não conhece, mas que a inebria; de um toque que jamais experimentou, mas que poderia estar impresso, tatuado e à flor da pele; de um gosto sequer provado, quanto mais sorvido, mas que viciou seu desejo de mulher; De mulher cega para outras distrações e atrativos.
Se ela tivesse a felicidade de dispor de apenas cinco minutos da atenção dele, talvez nem soubesse o que dizer, se perdesse ou descarregasse os maiores absurdos que lhe viessem à cabeça, numa tentativa desesperada de despertar-lhe alguma centelha de interesse. Mas a sorte não costuma lhe acompanhar nessas horas e é mais provável que a chance fosse prontamente desperdiçada. Meteria os pés pelas mãos e resultaria disso o primeiro afastamento consciente do dramalhão.
Ela ensaia todos os dias palavras para lhe dizer, que possam ser trocadas eventualmente, mas sempre se convence de que elas comporiam um diálogo mais parecido com uma D.R. de casal que não se entende. Um desastre anunciado! E vai-se perpetuando esse “chove e não molha” cansativo e frustrante. “Entre palavras não ditas, tantas palavras de amor”, diz a música que canta direitinho essa situação.
Passou a dormir menos, uma vez que até sonhar foi se tornando uma fonte inesgotável de mágoas, pois tão logo desperta para as horas que se arrastam no dia, resta encarar uma dura, nua, crua e insossa realidade. De novo para sorte da moça, a natureza não lhe permite enxergar as próprias costas se afastando, indo embora, desistindo. Foi essa uma partida dolorosa, mas necessária, resolutiva e promissora. Por ironia desse destino zombeteiro, foi a primeira e última vez em que ele a viu de fato e em toda a sua plenitude.