por Mário Montanha Teixeira Filho
A Lava Jato, os super-heróis de araque vestidos de juízes, policiais e promotores, o golpe que submeteu o País à ira de fanáticos, a destruição de direitos, a explosão da fome e da miséria, as tragédias ambientais, o governo miliciano, o cinismo dos torturadores, a boçalidade orgulhosa, tudo isso faz parte de um cotidiano esquisito que se arrasta há três anos, pelo menos. Nesse breve intervalo histórico, contorcionismos hermenêuticos emprestaram à Constituição intenções que não existem e inventaram um sistema penal baseado na vingança e no encarceramento desmedido. Tudo em nome da “vontade do povo”, ou do que alguns membros de tribunais excelsos costumam chamar de “voz das ruas”.
Se é assim, resta pouco a dizer sobre a decisão do STF concluída na noite de 7 de novembro. Ela simplesmente afirmou um princípio civilizatório de fácil compreensão, colocado no inciso LVII do artigo 5º da carta cidadã. Está lá: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esse princípio, enquadrado entre os “direitos e garantias fundamentais”, aparece, também, no Código de Processo Penal, que afirma, em seu artigo 283, que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
O estranho não é o que o texto contém, mas a polêmica que se criou em torno da constitucionalidade do artigo 283 do Código. Uma polêmica que resultou, enquanto as autoridades supremas não se manifestavam, na prisão ilegal de milhares de pessoas. Como era de se esperar, o STF, ao decidir pela leitura simples da Constituição – foi isso que prevaleceu no julgamento –, destampou a inclinação reacionária de muitos cidadãos que não querem ver aplicado – aos outros, naturalmente – o “devido processo legal”. Eles estão cuspindo fogo.
Não há, enfim, como desvincular o sopro de vida que o STF deu à Constituição do caso mais rumoroso protagonizado pela Lava Jato e seus justiceiros: a condenação e a prisão antecipada de Lula numa cela da Polícia Federal em Curitiba. O que fará, agora, a juíza “dura” responsável pela execução da pena? Quais artifícios, quantas manobras sobrarão para os inimigos do réu ilustre? O que mudará no cenário político? Ficam as perguntas. Lula voltará a ser livre, é o que se sabe no momento, para dissabor dos que defendem o seu linchamento moral ou físico, porque essa é a regra do jogo. Simples assim, diria o rebanho de Bolsonaro.