Sou poeta não. Nem porreta. Que é que e sou? Rei? Só se for do barraco pendurado na beira do rio podre. Moro sozinho. Aqui perto tem uma ponte que pintaram de verde, amarelo, azul anil – as cores do Brasil. Às vezes olho alguém passando em cima e acho um desrespeito. Não sou patriota. Poliglota? Outro dia ouvi isso de um cabra falando na tv e fiquei boiando – feito tudo que desfila na correnteza do córgo, porque olho pela janela. Para me proteger, desenvolvi uma técnica de não sentir o fedor. Merda, claro. Outro dia um sofá passou e achei que tinha visto alguém deitado e pensando na vida. Estou ficando velho. Mais lá na frente, numa curva, disseram que desovaram um presunto peneirado de bala. Coisa dos traficantes. Droga, estou fora! Já basta minha vida. Não é reclamação. Me conformo. Pena que não seja poeta. Nem porreta. Nem porra nenhuma.