De Rogério Distéfano, no blog O Insulto Diário
AS GARÇAS passaram por aqui, como todos os dias, mesma hora, mesma rota de ida e vinda entre o Passeio Público e o Jardim Botânico. Acima delas só os aviões de carreira, as andorinhas em rodopios anunciando o verão, o gavião que descortina a presa da quina do prédio e o bentevi que me enche o saco ao chamar sua turma.
A rota das garças teve desvio forçado quando um prefeito desses que transam escondido com empresários de construção e especuladores imobiliários autorizou a construção do mastodonte, o arranha-céu que ocupa um espaço inteiro entre a rua XV e a Comendador Franco. Maldade e castigo, metade do prédio encalhou nas vendas.
O atual, que transa em público consigo mesmo, resolveu mexer no habitat das garças, o Passeio Público, exato junto da árvore onde elas dormem e de onde fazem cocô na cabeça das putas desengonçadas, dos desempregados irremediáveis, dos observadores doentios e dos estudantes que lá aportam para cabular e bolinar.
O passeio público há de voltar a ser passeio e público, não mais um pastiche de jardim zoológico. Para tanto os bichos vêm sendo despejados, embora as tartarugas, sempre lentas, e os cágados, pro e paroxítonos, insistam em ir devagar. O prefeito está inseguro quanto às araras, se as muda ou as mantém. Nisso, reflete certa dúvida existencial.
Nosso prefeito, alvo da cruzada urbanística de Luca Rischbieter, quer um passeio efetivamente público. Luca diria que entre o prefeito e o dicionário há diferença essencial quanto ao significado de público. Luca tem a fúria dos santos, temos que respeitá-lo. Se não por ser santo, sim como irmão de Mônica, a do teatro, evocação tardia de musa da Nouvelle Vague.
Que a inclinação desse prefeito na prancheta do urbanista e nas artimanhas do político seja voltada para o bem, como disse do pai-arqueiro o Omar Khayam da Caaba que em vida passada esse prefeito construiu ali perto – de onde não se vê sair sequer um califa, um camelo, uma burca ou um chador -, mas que, calma e erma, desafia o bulício da região.