James Dean atormentado tomando leite pelo gargalo da garrafa em “Juventude
Transviada”. Não era como os pais dele. Nem poderia ser. A dor vem de onde? Sempre foi assim – e o mais fácil é o dedo da alma apontando para os velhos. Como é que é mesmo? “Não pedi para nascer”. Um tapa enterraria isso? Não. Gerações depois e quase matei a vaca, mesmo porque nunca gostei de leite. Meu dedo comprido e fino furava meu pai. Ele nunca soube e, espero, me ouviu naquela maca que o levou do quarto do hospital para a UTI e a morte. “Te amo, meu pai”. A primeira e única declaração em toda uma vida. Mas como valeu! Porque a vaca não morreu e está nesse pasto confuso, mas viva – e eu a olho como se fosse mais sagrada que a dos indianos. Pode tudo ir para o brejo, menos ela, a minha. Dei o nome de vida depois que cheguei lá na porta do inferno e o senhor Cramulhão não quis me receber. Me mandou de volta porque, sabia, eu iria azucrinar aquele coreto que arde permanentemente – pelo menos na nossa imaginação amaciada pelas aulas de religião, missas, confissões, penitências. Um dia me mostraram que vaca é vaca – e não tem nada a ver com a da capa do disco viajante do Pink Floyd. Ela também é deus. Quando pedi ajuda me falaram para não ficar perto da janela do hotel vagabundo. Não tinha pensado em me matar – eu estava me matando há muitos e muitos anos e o que eu não via era a saída, o pasto. Não sabia disso, só sentia – porque em universo paralelo. O mesmo da revolta do ídolo do cinema que se espatifou num carro buscando algo que existe – e não é preciso atropelar os limites do corpo e da mente para se conhecer. Continuo sem gostar de leite, mas entendo um pouco de vaca. Sei que sozinho não consigo mantê-la assim. Por isso, agradeço.