por Fernando Muniz
“A esposa não quis vir hoje”?
“Achei melhor não”.
O médico folheia os exames. Fixa o olhar em um, durante alguns segundos e retoma a avaliação. Fecha a pasta e suspira.
“Parece que você não tem seguido nada do que eu falo. Tem maneirado na bebida? E o cigarro? Sabe que, desse jeito, você tem mais uns cinco anos de vida, né? No máximo”. Faz que vai abrir a pasta de exames, mas desiste. “Tua esposa te aceitou de volta”?
O paciente está mais interessado na ponta do sapato direito, arranhada, decerto por ter topado numa pedra. Cruza as pernas e passa a examinar o sapato esquerdo. “Tá bom”.
“Como assim”?! O médico não entende. “Tá bom o quê”?
O paciente solta um pigarro e, por reflexo, busca o maço no bolso. Para no meio do caminho, levanta os olhos e se impressiona com as bochechas do médico, rosadas, saudáveis, tratadas com água de colônia e esmero.
“Cinco anos tá bom demais pra mim, doutor”.