por Fernando Muniz
“Vamos lá, crianças, são quase nove”! As meninas chegam primeiro. A mais nova se aninha à direita, a do meio à esquerda. O mais velho se acomoda no canto do sofá.
O pai abre o livro. Velho, desbeiçado, lido e relido várias vezes. As crianças estranham; o que poderia sair dali? E as estórias aparecem, uma atrás da outra. Formigas ralham com a cigarra porque ela não se preparou para o inverno; o estômago e os pés discutem para saber quem é mais forte. Dali a pouco uma tartaruga encontra uma águia e pede que a ensine a voar.
A essa altura a mais nova não resiste e cai no sono, embalada pelo braço do pai; a ideia de que tartarugas possam voar drena suas últimas energias.
E o pai continua. Um astrônomo cai num buraco por bisbilhotar o céu e… “O que é um ‘astrônomo’, papai”? A do meio permanece atenta a cada detalhe das tramas. “É uma pessoa que estuda as estrelas, filha”.
“Entendi… Tipo um astronauta”?
“Umh”?! O pai coça a cabeça, emboscado. Onde foi que ela arrumou essa palavra? Só pode ter sido na escola.
“Quase. O astronauta anda pelas estrelas e faz experiências com as pedras que encontra por lá. O astrônomo olha para as estrelas em um binóculo bem grande. Um telescópio”. Os olhos da filha brilham. “Que mais, papai”?
Uma raposa caminha pela estrada, morta de fome. Enxerga um cacho de uvas e pensa…
O filho solta um bocejo. “Mas pai, bicho não pensa nem fala de verdade, né”?
“É verdade. Eles não são como a gente. Mas nós podemos imaginar como seria se eles pensassem e falassem. Assim como pensariam as pedras, rios, cadeiras, mesas e tantas outras coisas. Bacana, né”?
“Como se fosse uma invenção”?
“Isso. Uma invenção. E das boas. Agora, todo mundo para a cama. Hora de dormir”! O pai carrega a mais nova, em sono profundo. O mais velho vai para o quarto, desconfiado daquela conversa de “invenção”; os adultos são esquisitos demais. Cadeira que fala!
A do meio se recusa a sair do sofá. “Mas papai, não dá para você contar mais uma estória? Só mais uma”!
“Não não mocinha, hora de ir para a cama. Vamos! Mas você não precisa apagar a luz nem fechar os olhos. Se quiser, pode pegar o livro e ler você mesma”.
“Ai pai, que preguiça”!
“Ora ora, você está na segunda série. Já pode ler sozinha”. O pai acomoda a mais nova na cama. E deixa o livro sobre a penteadeira. “Boa noite, querida. Apago a luz”?
“Só um pouquinho. Tô pensando”. Ela olha para o livro, todo puído. Um, dois, três minutos, em que javalis, ovelhas, sátiros, leões, macacos, cobras e cachorros dançam ao redor da sua cabeça.
Não consegue resistir. Pula da cama, com raiva do pai e pronta para dar um fim àquele incômodo.
E começa a ler.
Mas pai, bicho não pensa e nao falam de verdade, né.
Talvez desconhecemos a linguagem dos bichos e seu modo de pensar. Penso, o que os bichos imaginariam sobre nós humanos, seriamos alienígenas ou astronauta perdido de alguma “nave”?
Bravo!!