7:39Moro desculpou-se, mas não se arrependeu

por Elio Gaspari

A única coisa verdadeira na carta do então juiz da Lava Jato era a data

No dia 29 de março de 2016, o juiz Sergio Moro pediu “escusas” ao Supremo Tribunal Federal por ter liberado a divulgação do áudio de um telefonema da presidente Dilma Rousseff a Lula. Os 95 segundos da conversa detonaram a nomeação de Lula para a chefia da Casa Civil e deram mais um empurrão na derrubada do governo petista.

Moro escreveu o seguinte: “Diante da controvérsia decorrente do levantamento do sigilo, compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção desse julgador provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo.”

Mensagens e grampos reunidos por uma equipe da Folha e do Intercept Brasil mostraram que a única coisa verdadeira na carta de Moro era a data.

Moro e os procuradores quiseram, e conseguiram, criar a polêmica e constrangimento.

 

A ARMAÇÃO, ATÉ AS 13H32 DO DIA 16

Aos fatos:

A pedido de Moro, os telefones usados por Lula estavam grampeados pela Polícia Federal desde o final de fevereiro. No dia 15 de março, a equipe que ouvia as conversas concluiu um relatório com 42 transcrições. A última havia ocorrido às 19h17 do dia 14.

Desde o dia 9 o procurador Deltan Dallagnol sabia que Dilma havia oferecido a chefia da Casa Civil a Lula. A informação veio de um agente da PF e às 19h25 Deltan solicitou ao delegado Igor Romário de Paula que lhe conseguisse um CD com os grampos: “Estou sem nada para ouvir no carro rsrsrs.”

No dia seguinte, falando com o delegado, Deltan pediu para receber todo o conjunto que “pode ser importante para indicar riscos à segurança e à condução”. Era voz corrente que Lula poderia ser preso.

No dia 13, Moro alertou Dallagnol para a possibilidade de mudança de foro do processo de Lula caso ele virasse ministro. De fato, os grampos do dia seguinte informavam que Lula iria a Brasília para conversar com Dilma, precisando de “meia hora sozinho com ela”.

Às 7h45 do dia 16, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima perguntou qual a posição da Procuradoria-Geral com relação ao assunto que discutiria dali a pouco com Moro. Tratava-se de saber o que se faria com o relatório dos grampos. Carlos Fernando queria “abrir tudo”.

Ele sabia que Lula e Dilma estavam tomando café da manhã juntos e explicou: “Por isso a urgência”.

Às 11h12, Sergio Moro oficiou à PF a suspensão da escuta dos telefones. Ali havia de tudo, da indecisão de Lula, ao seu espanto com o tamanho da manifestação do dia 13, quando 3,6 milhões de pessoas foram para as ruas protestar contra o governo, e até assuntos familiares, como uma cadeira de rodas para seu irmão Vavá.

Até as 12h58 Moro não havia decidido tirar o sigilo das 42 conversas transcritas pela Polícia Federal. Divulgadas, elas prejudicariam a manobra, mas não teriam um efeito letal. Eram menos escabrosas do que as gravações que o ex-diretor de Transpetro Sérgio Machado vinha fazendo clandestinamente ao conversar com Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney.

O TELEFONEMA DE DILMA MUDA TUDO

Às 13h32, Dilma telefonou para Lula, avisando que o “Bessias” estava a caminho, levando o documento de sua nomeação para chefia da Casa Civil.

Doze minutos depois o jogo mudou. Numa rapidez inédita, o agente federal Rodrigo Prado informou aos procuradores: “Senhores: Dilma ligou para Lula avisando que enviou uma pessoa para entregar em mãos o termo de posse de Lula. Ela diz para ele ficar com esse termo de posse e só usar em ‘caso de necessidade’… Estão preocupados se vamos tentar prendê-lo antes de publicarem no Diário Oficial a nomeação do Lula.”

Às 13h46, o Planalto divulgou a nomeação de Lula para a chefia da Casa Civil.

Às 14h26, o delegado Luciano Flores de Lima mandou que Prado transcrevesse a conversa de Dilma com Lula, “sem comentários”. Às 15h34 o delegado narrou ao juiz Moro o conteúdo da conversa.

Às 16h21, Moro levantou o sigilo de todos os telefonemas, inclusive daqueles que ocorreram depois do seu despacho suspendendo a escuta.

Às 17h21, Moro disse a Deltan que havia levantado o sigilo mas que “aqui não vou abrir a ninguém”. Minutos depois, mandou uma mensagem urgente ao procurador, mas seu conteúdo não é conhecido.

‘O MUNDO CAIU’

Às 18h40, ao vivo e a cores, o diálogo de Dilma com Lula foi ao ar e o procurador Carlos Fernando registrou: “Tá na GloboNews”.

Deltan comentou: “Ótimo dia. Rs”.

O procurador Athayde Costa arrematou: “O mundo caiu”.

Caiu, mas todos sabiam o que haviam feito.

O procurador-geral Rodrigo Janot estava na Suíça e seu chefe de gabinete, Eduardo Pelella, perguntou: “Vocês sabiam do áudio da Dilma? (…) A gente não falou sobre isso”. (19h17)

Minutos antes, Deltan dissera que “por cautela, falei com Pelella e deu ok”. Esquisito, porque ao saber que o grampo de Dilma com Lula não estava no relatório da PF, Pelella espantou-se: “Não estão nos relatórios? Caralho!!!” (19h23)

A partir das 21h os procuradores de Curitiba temem pelo que pode acontecer. O procurador Orlando Martello, que se surpreendeu com a divulgação dos áudios, avisa: “Estou preocupado com o Moro! (…) Vai sobrar representação contra ele.”

Carlos Fernando concorda: “Vai sim. E contra nós. Sabíamos disso.”

A procuradora Laura Tessler entra na conversa: “A população está do nosso lado, qualquer tentativa de intimidação irá se voltar contra eles”.

Martello propõe: “Se acontecer algo com Moro, renúncia coletiva MP, PF, RF” [Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal].

Carlos Fernando gostou da ideia: “Por mim, ok. Adoro renunciar… Rsrsrs.”

Nessa troca de mensagens que foi das 21h às 23h, os procuradores Andrey Borges de Mendonça e Antonio Carlos Welter levantaram dúvidas quanto à legalidade da divulgação do grampo de Dilma com Lula. Seis outros acompanharam a tese de Carlos Fernando para quem discutia-se uma filigrana, prontificando-se a renunciar, indo à televisão para denunciar o governo.

Não foram necessárias renúncias coletivas nem entrevistas agressivas. A manobra teve o apoio da opinião pública, o ministro Gilmar Mendes cassou a posse de Lula e seis meses depois Dilma Rousseff foi deposta pelo Congresso.

No dia 16 de março de 2016, a República de Curitiba teve sua maior vitória. Como no gol de Maradona, a bola foi ajeitada com a mão (“de Deus”, como ele disse).

Cinco dias depois, trocando mensagens com Deltan, Sergio Moro resumiu sua conduta: “Não me arrependo do levantamento do sigilo. Era a melhor decisão.”

Era?

*Publicado na Folha de S.Paulo

7 ideias sobre “Moro desculpou-se, mas não se arrependeu

  1. Sérgio

    A “república de Curitiba” está a cada dia mais parecida com uma “quadrilha de Curitiba”…

  2. Júnior

    Essa folha lixo virou uma vergonha nacional.
    Não compreendeu que a população não aguentava mais corrupção. Ineficiência, dilapidação do dinheiro público.
    Não é o Moro, é o nojo do corrupto governo anterior.

  3. Jose

    A tentativa de desviar o foco chega a brigar o ridículo e mostra que o desespero lulista é cada vez maior: sem poder fazer nada contra os fatos (lula roubou), se prendem a filigranas.
    O fato é: se lula e sua quadrilha não tivessem cometido crimes não haveria nada disso.

  4. SERGIO SILVESTRE

    O que espanta é que ainda tem imbecis que acreditam neles,que se cometa crimes para provar supostos crimes.Eu sei que o Moro cometeu crimes,como acreditar neles ,já o Lula dizem ter cometido crimes,ai sim vem a duvida,como acreditar em criminosos que incriminam alguém.

  5. Jose

    Aliás, Victor Laus, presidente do TRF4 põe o pingo nos “is” em entrevista a BBC:
    ” Qualquer juiz, quando está diante de uma prova inválida, tudo que vier a partir dela não tem validade. Diuturnamente, no tribunal, anulamos várias investigações derivadas de prova ilícita. Nesse caso, nós não podemos sequer começar uma investigação porque tudo se origina de uma prova ilícita, uma invasão de privacidade daqueles usuários do aplicativo Telegram.”

  6. SERGIO SILVESTRE

    Esse desembargador com “cara” de fuinha já está antecipando o que está por vir,o conluio do TRF 4 com as mazelas dos faras da lei da lava -jato,.

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