por João Pereira Coutinho
O fenômeno Greta Thunberg não tem nada de científico, é pseudorreligioso
Greta Thunberg desperta ódios e paixões. Comigo, não.
Sinto apenas curiosidade. O que leva o mundo adulto, ou uma parte dele, a se prostrar aos pés de uma criança sueca, em adoração sacrílega, como se estivesse na presença de um messias renascido?
Não, não é apenas a preocupação com o futuro do planeta e as alterações climáticas que, dizem os cientistas, ameaçam destruí-lo. Greta não é cientista, não tem pensamento próprio, nada do que ela diz é original.
Também não se explica pelo simples sentimento anticapitalista de uma parte da espécie humana, que decidiu agora cavalgar no dorso de uma menina para chegar ao mesmo destino de sempre: a destruição de todo o sistema capitalista.
A resposta à pergunta, curiosamente, já está contida na própria pergunta: aos olhos do auditório, Greta Thunberg encarna uma das narrativas mais importantes da civilização. É a narrativa de uma criança que chegará ao mundo terreno para nos redimir de todos os pecados.
Mas não uma criança qualquer. Uma criança especial, dotada de poderes especiais, e capaz de ver a verdade e o bem para lá das mentiras e das maldades. Como resistir a esse filme? Como resistir a essa cópia bastarda de uma história de redenção que está entranhada na consciência coletiva da cristandade?
A própria Greta, propositadamente ou não, reforça essa mitologia. Basta ler um pequeno livro publicado pela Penguin que reúne os discursos com que a menina andou a evangelizar o
mundo a partir do dia em que teve a sua conversão.
O título é sintomático: “No One is Too Small to Make a Difference”. Os evangelhos já tinham dito o mesmo —Mateus, 19:14— ao proclamar as virtudes das crianças no acesso ao reino dos céus.
Mas voltemos à conversão: certo dia, Greta entendeu que o mundo podia acabar se a temperatura continuasse a subir. Foi tomada por um desespero absurdo. Para que estudar? Para que viver normalmente se não haverá futuro?
São perguntas importantes, filosoficamente falando, que não precisam dos dramas do clima para existir. Qualquer ser pensante, confrontado com a sua finitude, já expressou sentimentos similares.
A diferença, porém, é que a vida tende a se impor com o seu cortejo de alegrias e tristezas banais, e por isso salvíficas, afastando o ser pensante do abismo insuportável.
Greta é especial. Como ela própria assume, o fato de ser portadora de síndrome de Asperger a obriga a ver tudo “a preto e branco” —ou, em linguagem maniqueísta, separando as trevas da luz.
Se o aquecimento global é o tema mais importante de hoje, não há tempo a perder com qualquer outro. É como na guerra, diz ela: todas as energias e atenções devem estar mobilizadas para a batalha.
É aqui que a criança se revela em todo o seu esplendor: saberá Greta que mesmo nas piores guerras sempre existiu espaço para outros assuntos? Pessoas nasceram, amaram, criaram, morreram.
Apesar do medo, ou até por causa dele, a vida continuou porque teve de continuar.
Mas Greta não defende apenas a neurose como resposta na guerra climática em curso. Ela defende o fim total e imediato da economia carbonizada, ou seja, o uso de uma bomba atômica para vencer essa guerra.
Uma bomba atômica jogada sobre nós próprios, entenda-se, e sobre qualquer possibilidade de desenvolvimento econômico, tecnológico ou até científico que nos permita lidar, desde logo, com os próprios desafios climáticos.
Se as receitas da menina Greta tivessem sido usadas pelos nossos antepassados —primeiro, neurose perante um problema; depois, suicídio material como resposta— a humanidade não teria saído das cavernas. O que, aos olhos de Greta, talvez fosse o ideal.
Moral da história?
O fenômeno Greta Thunberg não tem nada de científico nem se pode confundir com qualquer discussão séria sobre o tema.
Mas tem muito de pseudorreligioso: nas suas jeremíadas pelo planeta e contra a ganância dos ricos que o desrespeitam (os novos “vendilhões do templo”, em suma), ela mimetiza uma trama e uma simbologia que o mundo reconhece e acompanha.
Só espero que, nesse processo mimético, nunca passe pela cabeça de Greta um derradeiro gesto de sacrifício —por exemplo, abraçando uma calota polar e desaparecendo com ela no Ártico.
Mas é melhor não dar ideias.
*Publicado na Folha de S.Paulo
A historia so se repete!!