por Fernando Muniz
Ele aguarda o chefe, no saguão do hotel. Lugar todo branco, poucos móveis. Está com a nova namorada, que assumiu faz pouco tempo, depois de tantos anos casado. Vida nova, emprego novo, agora sim, ele sente que poderá concretizar os desejos que se resignara a renunciar em sua vida pregressa, livre das amarras que o prendiam.
Uma coisa o preocupa. Os saltos dos seus sapatos parecem inadequados a ocasião de tamanha importância. O que fazer?
“Acho que vi um sapateiro aqui perto e eles moldam saltos com argila. Quer dar uma olhada?”
Ele procura as horas no relógio do saguão. Ainda há tempo; chegaram cedo. Resolve seguir o conselho da namorada.
Na sapataria um senhor barbudo, com feições de pajé ou pai de santo, lida com um caldeirão que gira sobre o próprio eixo, enquanto o homem pinça com uma longa colher pedaços de argila, para moldar o salto de um sapato feminino, muito elegante.
Aquela visão o tranquiliza; o sapateiro parece saber o que faz. Ele pergunta se eles fazem consertos rápidos e o sapateiro, sem levantar os olhos, diz que sim com a cabeça.
O rapaz entrega seus sapatos e, enquanto examina o que precisa ser feito, uma expressão terrível se desenha no rosto do sapateiro.
“Meu senhor, nada posso fazer”. E devolve o par.
“Por que não?!” O homem e sua namorada se entreolham.
O sapateiro hesita em responder, mas percebe que, se nada disser, não conseguirá ter paz. Dali a alguns segundos para o que está fazendo, levanta a cabeça e mira nos olhos deles.
“Porque são sapatos de um morto”.