De Rogério Distéfano, no blog O Insulto Diário
RESSACA – fenômeno fisiológico comum e recorrente. Você já teve e seguramente terá novamente – se for pessoa normal, que uma vez ou outra excede no consumo da bebida. Dia seguinte vêm dor de cabeça, língua pesada, estômago embrulhado, não raro desembrulhado de joelhos diante do vaso sanitário.
EXISTE AINDA a ressaca moral, que acompanha a alcoólica nos que têm superego excessivamente nutrido: o cara bebe, começa a falar, diz coisas impróprias para as pessoas e no dia seguinte acorda com sentimento de culpa, arrependimento de tê-las eventualmente ofendido. Essa ressaca é mais duradora que a outra, para alguns pode durar anos.
AQUI NO INSULTO, onde vivemos e experimentamos continuamente as duas ressacas, mais a moral que a outra, desde ontem sofremos com uma terceira, esta, como a Doença de Chagas, tipicamente brasileira – a qual vamos chamar de ressaca cívica. É aquela que nos deixa mal do corpo e do espírito pelos desvios e desatinos da nação.
ANTES, O ESCLARECIMENTO no sentido da sintomatologia. A ressaca cívica pode ser provisória, como pode ser permanente. A provisória é como a alcoólica, a permanente em muito lembra a moral. Quando permanente não raro deriva para a depressão cívica, outra afecção moral identificada pelo Insulto.
NÃO VIOLAMOS a confidencialidade ao apontar dois pacientes de ressaca e depressão cívicas. O doutor Euclides Scalco, ex-deputado constituinte, ex-diretor geral da Itaipu, ex-ministro de FHC, há 16 anos e meio derivou para a depressão. Outro, o advogado Renato Kanayama, revela traços de ressaca.
AINDA NO DOMÍNIO da sintomatologia, e para esclarecer e facilitar o tratamento, podemos distinguir ressaca e depressão cívicas em analogia com o alcoolismo: a ressaca cívica funciona como o dia seguinte do porre, curável, uma breve, embora sensível, revolta do fígado. A depressão cívica é o avanço do alcoolismo, a cirrose hepática. Avançando, a cirrose cívica.
RESSACA, DEPRESSÃO – por que não? – e cirrose cívicas têm etiologia comum, causas convergentes. Advêm do mesmo sentimento, diria até convicção, de desencanto, tristeza, falta de esperanças, frustração de expectativas com os destinos da pátria. Decorrem de decisões formuladas com erro ou maldade pelos homens de governo.
PODERÍAMOS aqui avançar em exemplos históricos que se acumulam e nos levam aos três estados da ‘malaise’ – o mau estar cívico. Coisas que vêm de longe, ancoram na história pátria. Homens do presente, fiquemos do presente, que nos antecipa o futuro, tanto na postura otimista quanto na pessimista.
A SESSÃO de ontem do STF levou a alguns brasileiros – ousaria dizer a todos porque atinge a todos, de qualquer lado que se considere – tanto à ressaca quanto à depressão cívicas. Caso da reversão de ações dos procuradores da Lava Jato criticadas pelos ministros do tribunal. Ali elegeu-se o judas a ser crucificado, o procurador Deltan Dallagnol.
ESSE TIPO de investigação a Lava Jato fez contra muitos dos que não sofreram processo, investigação e condenação. E passaram batidas, como falhas veniais, difíceis de ser detectadas diante do volume do que se apurava. Ocorre que a uma dada altura fica demonstrado o que se falava à boca pequena: a advocacia de mulheres de ministros.
TIVEMOS ENTÃO a soma de dois pontos sensíveis: o corporativismo dos ministros e o senso de proteção marital. Observe-se que o corporativismo e a proteção aqui foi meramente ocasional e oportunista. Por exemplo, o ministro Gilmar Mendes já insinuou em plenário que o colega Luís Roberto Barroso mantinha escritório de advocacia.
EM CERTA ÉPOCA a imprensa referiu até a mesada polpuda que o ministro Dias Toffoli recebia de sua mulher, advogada bem situada em Brasília – não por acaso suposta investigada na indiscrição do procurador Deltan Dallagnol. Ninguém tem maior ou menor razão na história. Além do retrocesso, fica uma lição.
A LIÇÃO que fica é a da vaidade, da arrogância, do senso de onipotência do procurador que se sentia capaz de tudo terçando fora das regras as armas de seu ministério. Fica a lição de que essa vaidade, arrogância e senso de onipotência pouco podem, cedem e soçobram diante de iguais atributos dos ministros do STF.
“É muito impressionante a quantidade de gente que está eufórica com os hackeadores, celebrando o crime. E na minha percepção, há mais fofoca do que fatos relevantes, apesar do esforço de se maximizarem esses fatos.
E se tiver alguma coisa errada, o que é certo é certo, o que é errado é errado.
Porém, há um detalhe importante aqui: é que apesar de todo o estardalhaço que está sendo feito, nada encobre o fato de que a Petrobras foi devastada pela corrupção, não importa o que saia nas gravações.
A Petrobras precisou fazer acordo de 3 bilhões de dólares em Nova York com investidores estrangeiros. Então o Judiciário americano faz parte da conspiração? Teve que fazer um acordo de mais de 800 milhões de dólares com o Departamento de Justiça americano, que certamente não fará parte de nenhuma conspiração.
Portanto, nada encobre a corrupção sistêmica, estrutural e institucionalizada que houve no Brasil. É difícil entender a euforia que tomou muitos setores da sociedade diante desse fofocada produzida por criminosos.”
Luis Roberto Barroso, ministro do STF.