18:41ZÉ DA SILVA

Num dia espalho o sol pelos olhos, palavras, gestos – e me encanto ao ver a luz que transforma em sonho o que é real. Não na flor, mas nos restos espalhados pelo chão na estrada que caminho desde estalido do tapa na bunda sob a luz da sala de parto. Uma pedra, uma figurinha de jogador do álbum do passado, a marmita do guardador de carro com o garfo de plástico e o feijão misturado ao macarrão. No ponto do ônibus, o vazio, mas com todos que passaram por ali. É vida, penso. Vem a noite, o sono, como se fosse a morte, e ao acordar algo me esfaqueia de dentro pra fora – e não há efeito especial de filme americano que traduza o horror. Então tudo fica pesado – e as notícias ficam muito mais. Elas atraem, como se um olho piscasse para ser vazado por bala dundum e a parte de trás do crânio fosse grudar numa parede, como num conto de Rubem Fonseca, miolos escorrendo até o rodapé. A podridão das almas humanas. Penadas, mas que parecem vivas, saltitantes e muito coloridas. Antes, isso dava medo. Agora, fico aterrado, mas não aterrorizado. Porque passa. Como aquele bonde onde um dia viajei ao lado do maquinista – e fiquei a olhar o mar, pensando que ele me ensinaria a amar.

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