por Thea Tavares
Sinto falta do Brasileirão também. Concordei de imediato quando vi a postagem de um colega nas redes sociais sobre querer a volta do campeonato brasileiro para agitar nossas semanas. A gente não torce para a seleção brasileira de futebol com a mesma química que torce para os clubes para os quais nos derretemos de paixão. Falo pelos loucos por futebol, os verdadeiros ruins da cabeça ou doentes dos pés. Na Copa do Mundo vibramos um pouco mais: faz-se feriado, a gente sai da rotina… Tudo isso meio que ajuda no clima. Mas nessa Copa América, não está funcionando assim. Com ou sem Neymar – acho até melhor sem ele -, a interação com os campeonatos estaduais e especialmente com a adrenalina do Brasileirão tem mais a ver com o sangue que corre nas veias da maioria dos brasileiros. É mais próximo, entende? A gente vai ao estádio, leva família ou vai com os amigos; Junta uma galera pra ver em casa… É mais divertido, é parada obrigatória, coisa mais de pele. Não tem a distância dos jogos da seleção. Mesmo se estivéssemos em uma das praças do campeonato, mas não rola do mesmo jeito.
Recentemente, tive uma aventura dessas. Olho para a foto daquele registro e relembro. Sorrio espontaneamente todas as vezes quando isso acontece. Vou contar como é que foi: a foto no estádio ficou “top”, como dizem lá em Brasília! Era pura família margarina. Tudo estava bem, abrimos o maior sorrisão para o momento do “clic”, dava até para enxergar o sininho badalando no fundo da garganta. A gente nunca sabe para onde olhar na hora de fazer a “selfie” com o celular. Claro que é para onde fica a câmera (dãr!), mas difícil é lembrar e é nesse instante que ninguém pensa rápido e cada pessoa sai no registro olhando para um lugar, quando não acontece de alguém olhar nas duas direções simultaneamente.
Enfim, a foto ficou bacana. Rendeu mais perguntas e comentários fora da rede social que no perfil do Facebook. Mas até chegar naquele sorriso e expressão com brilho psíco nos olhos, passamos por alguns percalços. O jogo era no Mané Garrincha e começaria às 16h. Botafogo x Palmeiras pela sexta rodada do Campeonato Brasileiro de 2019. Fomos às 14h30 para o estádio. Como em Brasília o relevo é plano, tudo parece perto. A gente consegue enxergar longe e acha que o que se vê fica logo ali. Capaz! Sem lugar próximo para estacionar e com um escorpião no bolso impedindo de gastar desnecessariamente com estacionamento privado, demos voltas, entramos e saímos do Parque da Cidade sem êxito e conseguimos uma vaga perto da Torre de TV. Na parte que fica embaixo, bem perto do letreiro “Eu Amo Brasília”.
Caminhamos naquele sol desértico de meio de tarde pela capital federal, rumo ao Estádio Nacional, o imponente Mané Garrincha. Era pertinho, mas estava quente o suficiente para fazer vencer o antitranspirante que na propaganda oferece 48h de proteção. Pura ilusão. Perdeu a validade já na escalada do gramado da Torre de TV. Não durou nem até o primeiro pipoqueiro ou vendedor de água da entrada do estádio. Por uma daquelas travessuras do destino, veio depois uma sucessão de fatos que fizeram arroxear a orelha das mães dos organizadores, com toda a certeza. Faltando 40 minutos para os times entrarem em campo e o juiz apitar o início da partida, as filas no Estádio Nacional eram imensas e lentas. No ingresso, um aviso mandava a gente se dirigir aos portões 12, 13, 15 ou 16, pelo nível 2. Não encontramos a entrada 16. Do 15, pulava direto para o portão 18. E, chegando no 15, nada de acesso ao nível 2. Só existia nível 1 nesse portão. Com isso, os ingressos não eram aceitos nas catracas eletrônicas e aquelas filas imensas da chegada ao estádio se transformavam em milhares de pessoas procurando seu real ponto de acesso.
Todo mundo que descobria estar no lugar errado, formava uma segunda fila quilométrica no que deveria ser o local permitido para entrar e no qual a leitura do código de barras abriria as portas da esperança. Mas como esperança é sempre a “única” que morre, a coisa foi ficando pavorosa. Do lado de fora, ouvimos os times entrarem para aquecimento no gramado aos gritos e aplausos da multidão dentro do estádio. De repente, já estávamos no meio de uma massa compacta humana que se dirigia às catracas que nos negaram acesso ao som de “libera, libera, libera”. Não tinha mais como voltar atrás. No meio daquela muvuca também havia muitos idosos, crianças, famílias inteiras apaixonadas por essa emoção toda do futebol. E, olha, que o jogo ainda nem tinha começado!
Já acomodados na arquibancada superior, a visão geral do estádio por dentro foi tranquilizadora: palmeirenses e botafoguenses misturados, torcendo juntos, cada um para o seu time, sem rivalidades absurdas. Os espaços reservados às torcidas rivais organizadas eram tão afastados uns dos outros, que mesmo em clássico de grande rivalidade, não permitem confrontos nem por telepatia. Pouco antes da metade do primeiro tempo de jogo, elas entraram separadamente no estádio, inflamando a galera com suas alegorias, coreografias e gritos ensaiados, cronometrados. As torcidas organizadas deram um show à parte. O pacífico senhor que sentou algumas filas à frente, ao som da Mancha Verde até tirou a camisa e começou a rebolar. Cena bizarra, mas válida naquele contexto. Entre escolher rir ou ficarmos traumatizados, rimos do mico, sem dúvida!
O jogo teve ataques mais ofensivos, menos ofensivos, diversos cartões amarelos, gol impedido e pênalti decisivo, definido pela arbitragem de VAR, o assistente de vídeo. Mas uma cena foi muito marcante e nem se deu dentro de campo, mas na arquibancada. Um pequeno botafoguense, de pouco menos de 10 anos, chorou até soluçar e se tremer inteiro quando o Palmeiras cravou o segundo gol e um mar verdão se agitou e sacudiu as estruturas do estádio. Foi compreensível a explosão de sentimentos do menino, visto que seu acompanhante, provavelmente avô, estava tão absorto no jogo que só se atentou para o descontrole emocional da criança quando a cena já quase roubava a concentração do banco de reservas. Detalhe: estávamos nas arquibancadas superiores! Eu tinha medo de que o pequeno enfartasse! E olha que antes do homem perceber o choro do piá sentado do seu lado, teve gente ao redor rindo descontrolada também do que via, moças de bom coração tentando acalmar e um outro samaritano de gosto questionável recitando mantras de consolação. Acho que isso enervava mais e mais o garoto. Ia se misturando a um tanto de vergonha e só piorando. Até que o responsável se tocou e abraçou o pequeno sofredor, herdeiro do seu fanatismo genético.
Com toda a certeza, serviu de aprendizado aquela perda. Até porque – e é bom ir avisando logo o moleque – não deverá ser a única derrota do seu time que ele vá presenciar nesse torneio. Alguém, por favor, conte para o Botafogo ajudar o seu torcedorzinho brasiliense a sofrer menos. Por coisas assim (juro que eu não era a descontrolada, rindo da desgraça do piá, ok?) é que desejo a volta do campeonato brasileiro. Esqueço da indústria do entretenimento (e otras cositas más) em torno desse espetáculo, mas seja no Manézão, na Arena da Baixada, no Couto Pereira, no Maraca ou no Gigante da Beira-Rio, o importante é curtir, se divertir, cornetear e aguentar as provocações dos amigos a cada rodada. Ter o que contar, o que lembrar, registrar e carregar essas lembranças pelo resto dos dias como histórias da vida que a gente viveu. Se o nosso time nos ajudar a passar por isso com menor carga de sofrimento, melhor. Afinal, lembrando do torcedorzinho do Botafogo, a pergunta que cada um deve se fazer é: quem nunca?
A melhor definição dessa diferença de sentimento entre torcer pelo seu time e pela seleção, veio de um torcedor argentino, quando o Atlético jogou lá pela Recopa: “o River é minha mãe. A seleção é minha tia”. Torcedor assíduo do Paraná Clube, eu concordo.
Também gostei dessa definição, Antônio Carlos. É mais que futebol, né?