de Zeca Corrêa Leite
Te digo: não anunciei minha loucura. Te digo mais: nem sabia da existência dela, não tive a graça de saber do seu nascimento, quando foi que anjos piedosos a inocularam nos paraísos do meu ser. Meu Éden não tinha serpente, Adão e Eva; era habitado por ventos, brisas, horas retorcidas, vaidades desgastadas, sombras das minhas fantasias, orações desprendidas de meus lábios, aqui e ali um poema sem morada. Ah, meu Éden multiplicado… Nos vastos paraísos empalidecidos dos meus sustos a loucura era ausente, tudo que anunciei foi o incômodo que pressentia vir e me faria sofrer. O que fiz foi desmascarar a dor sorrateira, aquela que te abocanha no cochilo que antecede o sono. Vinguei-me por antecipação das lágrimas que iria verter. Desses cortes na carne como sutis suicídios sou mestre na execução. Está em mim encalacrado feito reboco e tijolo, parede erigida nas profundezas. Não vês, não vejo: meu cenário é de riachos e florestas a entreter os olhares desarmados. O caminho que leva aos mistérios é feito de segredos: como seguir por suas trilhas se não sei seguir suas trilhas? Confesso: tenho um sono beirando à morte ou ao sono do recém-nascido. Peça-me refrigério para a alma e te darei as nuvens mais lindas, sem tempestade ou ventania, nuvens buscadas nas anônimas tardes quando nem se sabia se era quinta ou sexta-feira, que ano era aquele, estação do ano sem memória. Mas se me pedires oração para que possas orar nas tuas quietudes, então te darei silêncio de palavras em repouso para que desenhes teu caminho em direção ao divino, escada mirando o céu. Por fim, se quiseres poemas na qualidade dos acalantos, direi a ti que sob sombras e névoas espie os encantos que te atravessam, transeuntes de luz e delicadezas – ali estão os teus versos mais belos, teus poemas à espera de ti. Neles, a tua tradução. Ah, tivesse eu as roupas das palavras, a ciência dos sentimentos… Tateio naquilo que sou. E o que sou além do rascunho que me faz incerto? Deixa-me lembrar-te, pois: não anunciei minha loucura, nem as filhas loucas desparceiradas dessa volúpia mater. Tenho os passos como destino e profissão; se meu caminhar é doidice, então louco é o planeta, não eu. Não me anuncio: minha gargalhada é o profundo silêncio da madrugada, dos sentimentos, da ausência. Sou fugidio como a esperança e a próxima revelação.