por Ricardo Araújo Pereira
A Folha criou um GPS ideológico que analisa a inclinação política de usuários do Twitter. Teriam poupado tempo e dinheiro se me tivessem perguntado. As pessoas que debatem na internet costumam ser de extrema qualquer coisa.
No Twitter, mesmo as pessoas de centro são de extremo centro. Se, no decurso de uma discussão política na rede, alguém usar a expressão “por outro lado”, a polícia vem e fecha a conta. Desculpe, mas não queremos ponderação aqui.
Os leitores mais atentos terão reparado num erro. Ali em cima eu disse “as pessoas que debatem na internet”. É uma frase de ficção científica. Que debate? Como os usuários se fecham em grupos de gente que pensa a mesma coisa, normalmente o debate é para ver quem pensa o mesmo mais radicalmente.
Antes, as pessoas também falavam umas com as outras. Por exemplo, no boteco. Onde diziam mais ou menos as mesmas coisas que se dizem nas redes sociais, o que é curioso. E onde, como nas redes sociais, também não havia conversas em voz baixa. Mas essas conversas, graças a Deus, não apareciam na imprensa.
Periodicamente, faço o exercício de pesquisar no Google, entre aspas, a expressão “incendiou as redes sociais”. Eis um apanhado dos resultados mais recentes: “O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, incendiou as redes sociais”, “Vídeo de Anitta e Neymar se beijando incendiou as redes sociais”, “Luísa Mell sempre incendiou as redes sociais com suas causas”, “O Fortaleza não começou como queria o Campeonato Brasileiro e deixou a Arena Palmeiras, neste domingo, com uma derrota por 4 a 0 que incendiou as redes sociais”, “Este vestido está a incendiar as redes sociais”.
É óbvio que um incêndio perpétuo (semelhante ao do inferno mas, provavelmente, mais intenso) lavra nas redes sociais. Uma turba se agita para lapidar opiniões, comentários e peças de roupa. E a gente vai atrás, para contabilizar o número de pedras arremessadas.
Os botecos, apesar de tudo, eram menos violentos. E quem incendiava o boteco só aparecia nas notícias quando o incêndio não era metafórico.
Na maior parte dos casos, felizmente, quem grita nas redes sociais não sairia gritando na vida real. Como aqueles cidadãos calmos e responsáveis que se transformam em bárbaros quando dirigem. A criatura mais perigosa do mundo é um condutor que dirige com uma mão e tuíta com a outra.