por Mario Sergio Conti
A direita atarantada ressuscita o revolucionário russo para tentar deter Jair Bonaparte
Jair Bolsonaro não erra. Apenas cumpre o que prometeu. É por isso que quando Fernando Henrique e José Padilha, que lavaram as mãos na eleição, se dizem de queixo caído, logo se pensa em Diógenes, o filósofo cínico, ou em La Rochefoucauld, que explicou a hipocrisia.
Errar é confundir “fã” com “ídolo”, como fez o presidente. É prescindir de vírgulas, como os Bolsonarinhos tuiteiros. É trocar Kafka por kafta e escrever “incitar” com s, como o ministro Abraham Weintraub. É falar “conje” em vez de cônjuge, fina asneira da lavra de Sergio Moro.
São erros inócuos. Coisa muito diferente é atiçar uma ala do governo contra a outra. É baixar um ucasse e logo desdizê-lo. É afagar e sabotar o subalterno com um abraço de urso. O presidente faz isso todo dia. A cizânia é seu método de fazer política.
O recurso à arruaça decorre da natureza do governo, que é bonapartista. Bolsonaro está mais próximo do segundo que do primeiro Napoleão; mais perto do Bonaparte sobrinho do que do tio. O bonapartismo brasileiro nasceu no ano passado.
Dividida, a direita não conseguiu se unir. Já a prisão de Lula desorientou a esquerda, desmoralizada pela traição de Dilma e pela degeneração de dirigentes do PT. Aí surgiram no horizonte Jair Bonaparte e seu séquito de rufiões.
Seu governo atualiza essa crise. De um lado, ele usurpa a soberania popular, impedida de se expressar na eleição. De outro, é o aríete da santa aliança burguesa para anular bens e direitos que a soberania popular obteve no período anterior.
Em sendo assim, é da lógica de Napoleão 3º se alçar acima das classes, incitando querelas abaixo dele. O surgimento de uma liderança, mesmo na copa e cozinha do Planalto, curto-circuita o seu poder. Bolsonaro Bonaparte é divisionista e diversionista porque precisa.
O apoio indubitável a ele vem do lumpemproletariado —a charanga formada pela prole disléxica, pela malta miliciana, pelo restolho do baixo clero, pelo submundo blogueiro de ressentidos e ociosos de todo naipe. O crooner da patifaria se chama Olavo de Carvalho.
O cartomante boquirroto serve de megafone e porrete para o belicoso clã Bolsonaro —o “sangue do meu sangue” com o qual o presidente não romperá nunca, conforme explicou. Quem ousa fazer fora do pinico se arrisca a levar uma tunda de perdigotos e palavrões pela proa.
Foi o que se deu na semana que passou. Cada vez mais saidinha, a corporação verde-oliva deu para empinar o nariz para a grei Bolsonaro. Militares passaram a arrotar moderação, racionalidade e tolerância, a comer com talheres e —olha a audácia dos bofes— a se dizerem democratas.
Isca! Isca! Isca! açularam os Bolsonaros. Aquele a quem chamam de Olavão caiu matando. Parecia um vira-latas doido, desses que saem latindo atrás dos carros, tentando morder pneus e escapamentos. Amuados, os milicos apelaram para o bom senso presidencial. Tolinhos.
Bonaparte em pessoa lhes demonstrou o que é bonapartismo: manteria distância da quizumba porque não aceitava a tutela de ninguém, inclusive de seus ex-superiores. O capitão está acima dos generais porque foi votado.
Como Olavão continuasse a rosnar, a oficialidade ofendida recorreu a seu chefe simbólico, Eduardo Villas Bôas, que até janeiro era comandante do Exército. Outro tiro n’água.
O general ficou conhecido fora da caserna pelo tuíte que soltou quando o Supremo julgou um habeas corpus para Lula. Ele disse aos juízes para manter o presidente na cadeia, senão… Galharda, a maioria do STF cedeu às reticências.
Bolsonaro nomeou Villas Bôas assessor de alguma coisa no Planalto, onde comanda uma escrivaninha. Na segunda-feira, ele disparou outra notinha rococó. Seu alvo ostensivo era o cartomante. Mas o general instava o destinatário oculto, Bolsonaro, a se alinhar aos fardados.
Bonaparte fez sua famosa cara de peixe morto. Também, pudera: Villas Bôas chama o astrólogo de “Trótski da direita”. Em matéria de samba do crioulo doido, deixou Stanislaw Ponte Preta do chinelo.
Porque Trótski desenvolveu a tese da revolução permanente. Ela diz que, no século 20, uma revolução burguesa só chegaria à vitória se fosse socialista, como ocorreu de fevereiro a outubro de 1917. E a revolução só se consolida ao se internacionalizar. O que isso tem a ver com Olavão et caterva é um mistério.
Em contrapartida, Trótski foi também um grande teórico do bonapartismo, conceito criado por Marx em “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”. Parece que ambos escrevem sobre o Brasil de hoje.
*Publicado na Folha de S.Paulo
Será que o Conti se referiu ao Olavo De Carvalho daqui?Aqueka turminha do “pingos nos IS da Jovem Pan,o Augusto Nunes por exemplo e os outros dois subnitrato de amonia rsrsrsrs