por Thea Tavares
Meu poder de cupido entrou em pane. Se um dia funcionou, foi para relações hetero e não homoafetivas. Ando colocando meu amigo gay em uma fria atrás da outra com minhas teorias para lá de furadas. Mas é diversão garantida. Para mim, claro, que vivo me refrescando com a pimenta nos olhos dele.
Ter amigo gay é uma delícia! Sabe aquele homem que entende tudo o que você fala, antecipa o final das suas frases, compartilha dos seus receios, inseguranças, alegrias de pobre, aquelas que duram pouco, e fica com brilho nos olhos quando rola empatia? É gay! E gay assumido, que já passou saltitantemente das fases de autoafirmação e de autoconhecimento.
Para azar dele, me imbuí da missão de ser seu cupido. Com radar em pane, diga-se de passagem, e com a elaboração de sucessivos e infalíveis planos como os do Cebolinha do gibi infantil. Olha, que sou madrinha de muitos casais “felizes para sempre” e “até que a morte os separe”. Mas, pelo visto, preciso aprender um eito de coisas antes de calibrar meu poder para as relações homoafetivas. Na minha cabeça e na velocidade aloprada das minhas percepções, os pares combinam, os casais ficam interessantes, mas o choque da realidade sempre grita mais alto e me tira dos transes e devaneios.
As confusões em que coloquei esse meu amigo também não são nenhum fim do mundo e se um bando de doido que anda por aí livremente estiver certo e a Terra for plana, é só ele me empurrar lá de uma das bordas do planeta e está tudo resolvido. Mas não foram de fato combinações absurdas e nem confusões irremediáveis. Serviram para a gente ter do que falar, o que pensar, com o que se incomodar, se importar, perder o sono e até botar os bofes pra fora. Serviram para nós e para as pessoas que, até sem querer, se enredaram nesses traçados. Serviram para que a gente gastasse mais tempo se arrumando pra sair de casa, escolhesse melhor a roupa, o perfume… Para uma série de coisinhas que fazem a gente abstrair os pensamentos do noticiário, do trabalho e de qualquer outro desses convites que temos no dia a dia para se levar uma vidinha insossa e sem solavancos emocionais.
Olha isso! Eu jurava de pé junto esses dias que um menino que conhecia era gay e tentei arrumar a vida do meu amigo com ele. Pra quê? Agora tenho de amargar a culpa de ver duas pessoas tristes: um porque ficou frustrado, já estava até planejando o encontro, o ambiente, os pratos, os drinques, a música … O outro, embarcou em uma crise de identidade profunda. Fica se perguntando sobre a imagem e a mensagem que está transmitindo com seus gestos, sinais, sorrisos largos, simpatias, olhares e generosidades. Mas eu ainda insisto. Há casos em que meu sexto, sétimo, oitavo e nono sentidos dizem que a união dá liga. Só faltava combinar com os viventes. Daí, meu amigo teima e cria toda espécie de subterfúgios e o cupido se inferniza com a situação. Certo ele. Afinal, vamos combinar, é quem vai ter de responder por minhas armações. Ele é quem sabe onde aperta o calo.
Só sei que o radar tem falhado. Aliás, uma das delícias da convivência com meu amigo gay é justamente a brincadeira do detector de testosterona. A gente sai na rua, separando o público alvo entre ser ou não ser gay. Assim, vou calibrando o olhar para quando for lançar mão da munição do cupido. Facilita bastante. E também só dedico atenção para a metade dos alvos. Economia de tempo e de energia vital. Só tenho certeza de uma coisa: por macho, a gente não briga nunca! Os nossos gostos são muito distintos e essa dedicação de Eros altruísta serve de desculpa também para manter o estabelecimento, do lado de cá, “fechado para balanço” e por tempo indeterminado. No mais, é vida que segue… Sigo aprontando das minhas, numa interminável e prazerosa adolescência. Sem provocar nenhum dano além do que se possa classificar como alegria de viver.