por Fernando Muniz
O caixão, já fechado, perturba a família. “Será que não vão enterrá-la nunca”? Todos sabem o porquê, mas preferem não lembrar o motivo ao rapaz. Ele também sabe, mas insiste em perguntar mesmo assim.
Tal qual o pai, o irmão mais velho; mesma rotina, mesmos negócios e assuntos que não se anunciam à luz do dia. Mas chega; ela era o último elo.
Assim que o padre aparecer, começará o enterro, mesmo que ele não tenha chegado. Até porque a multidão fora da capela, de gente simples que não se importa com as manchetes, começa a ficar impaciente.
Uma viatura policial encosta perto da capela. Dois policiais conduzem o condenado e, pouco antes da porta, tiram as algemas. O sargento sussurra ao seu ouvido: “Sem gracinhas, ouviu? Muito menos quero contato com o povo aqui de fora. Senão você volta conosco. Na hora”.
O condenado quase não é reconhecido pelos parentes. Sem capangas ou cupinchas, parece humano. Os irmãos se aproximam do caixão, em busca das alças.
O padre, que chegara há pouco, tem pressa e atropela a liturgia, com medo da multidão. Lá fora os mais exaltados começam a gritar palavrões e ameaças contra a família da morta.
Hora de enterrá-la; o sol se põe.
No meio da balbúrdia, enquanto o caixão baixa à cova, a dor da perda baixa sobre os irmãos e os açoita, deixando seus ossos à mostra, fazendo-os lembrar por que estão ali. Um fotógrafo, clandestino entre as lápides, registra a cena.
E os irmãos se abraçam.