por Thea Tavares
“Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar…”. Quem é fanático por MPB deve conhecer ou se lembrar das situações inusitadas cantadas nesse chorinho de Assis Valente, que foi interpretado pela Carmen Miranda lá nos idos do milênio passado. Alguns anos atrás, a Paula Toller, em sua empreitada solo, veio com uma versão ainda mais picante das situações desesperadas e vexatórias em que a personagem da música se mete ao querer se despedir e se aproveitar dos instantes derradeiros do mundo. E o tal do mundo não se acabou, para azar dela.
Se a menção da música por si só não entrega a idade de quem escreve, a comparação dessas situações vividas no chorinho com o envio de mensagens pelo aparelho de telefonia celular, sem o uso de óculos, não deixa dúvida alguma. É possível viver drama semelhante, a partir de uma certa idade, ou seja, quando o braço começa a ficar curto para a leitura “de perto”. Portanto, cuidado!
Erro de grafia é o menor dos problemas, mas já enviei cada mensagem desastrosa por conta da falta de óculos na hora de digitar, casos em que a simples lembrança faz a gente pensar duas vezes antes de sair de casa novamente ou denunciar que se está “on line”. Pensava que ia para uma pessoa e foi enviada a outra, um drama! O tempo decorrido até a constatação do erro é fundamental. Quanto mais se demora para perceber, mais incorrigível ele fica ou passa a demandar um empenho muito maior nas explicações dadas, o que acaba também por desencadear outra série de situações inusitadas.
Quem inventou a ferramenta de apagar as mensagens “para todos” no aplicativo de comunicação instantânea, merece um prêmio. Deve ser um profissional da gerontologia ou mesmo algum autodidata nesses conhecimentos. Enquanto dá tempo de se recorrer ao dispositivo de apagar as mensagens já enviadas, ele de fato salva a pátria. Sem trocadilhos com governos digitais da atualidade, em que o que salvaria de fato seria a interdição do emissor. Mas quem nunca enviou mensagens que deveriam ser particulares a um grupo inteiro? Ou conversou ao mesmo tempo com mais de uma pessoa e trocou as bolas por diversas vezes? É um perigo!
Mas é fato que a tecnologia precisa se adaptar às limitações humanas. De novo, repito, não há aqui nenhuma referência às manifestações de agentes públicos, mandatários de poder, que se tornaram corriqueiras nas redes sociais e expressam não apenas a natureza nociva das suas intenções, mas a própria limitação do pensamento do indivíduo. Trata-se meramente das dificuldades cotidianas decorrentes do avanço no prazo de validade das pessoas com o passar dos anos. De um modo geral. E as situações em que a gente se mete até pela teimosia em não perceber e aceitar de pronto esse processo natural.
Quem souber a identidade do cara que inventou o dispositivo que apaga as mensagens enviadas no Whatsaap, diz pra ele, por gentileza, inventar também o recurso de pensar três a quatro vezes antes de enviar: – Vai enviar mesmo? – Tem certeza? – Não quer revisar, ponderar? – É por sua própria conta e risco! Na ausência do dispositivo emocional que controle pacientemente essas ações, apela-se – com o fervor de uma oração suplicante – para a adaptação do aplicativo.
Por falar em entregar a idade, abre a bolsa aí, você que está lendo, e vê se encontra aquela caixinha plástica de porta-comprimidos. Achou? Não está no bolso do casaco? Porque isso também é sintomático. Quando você começa a carregar esse recipiente para cima e para baixo, é sinal de que o Cabo da Boa Esperança fica logo ali, depois da curva! Mas se isso ainda não lhe convenceu a ter cautela nos seus envios de mensagens pelo celular, especialmente sem óculos e adivinhando teimosamente o que está fazendo, presta atenção ao termômetro que você carrega dentro de si. Eu, por exemplo, tenho uma dor de cotovelo, um resquício de uma tendinite, que lateja sempre no inverno ou alardeia quando está perto de esfriar e de chover. Não tem previsão do tempo mais infalível que essa chata e insistente dor de cotovelo. Acerta mais que o noticiário!
Enfim, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, já dizia o Caetano Veloso, pela voz da Gal Costa, lá também nos idos do final do milênio passado. Uns só sabem há bem mais tempo que outros e “a gente vai levando essa chama”. Até que o mundo se acabe, sem anúncio algum. Agora, dessa vez, entregando pra valer a idade e tecendo mesmo um paralelo com a política atual, muitas vezes me pego – não mais incrédula, só embasbacada e repleta de vergonha alheia -, diante das manchetes e das redes sociais, rogando aos céus: – Vem, meteoro! Porque já deu, né?