por Thea Tavares
Costumo refletir muito sobre a relação entre mães e filhas. É a experiência que tenho e que busco aprimorar todo santo dia. Mas venho encasquetando recentemente com uma história envolvendo um pai e seu filho. Também sobre a dívida que contraí com um amigo, embora ele nunca tenha sabido da existência dela. Um dia pagarei. Não sei exatamente quando, mas já está no radar.
Há anos, peguei uma carona com esse meu amigo e sua família – a esposa e o filho de pouco mais de cinco anos de idade -, entre Guarapuava e Curitiba. Ele me contou que perdeu seu pai muito cedo, antes de completar dez anos de idade. Era um pai que ele adorava: presente, muito parceiro, muito atencioso… Pai de fato e não apenas de direito. “Pouco” tempo depois – não sei se esse tempo foi medido no relógio ou definido pelo trauma -, a mãe casou de novo. O padrasto era o djanho: violento, batia nas crianças e agredia a mulher. Foi então que os dois meninos, esse meu amigo e seu irmão mais velho, fugiram de casa e se refugiaram, até a idade de trabalhar, na casa dos avós, depois dos tios e, de casa em casa emprestada, eles amadureceram antes que os documentos assim o atestassem.
Meu amigo cresceu, se casou e teve um filho. No trajeto de Guarapuava a Curitiba, ele foi me contanto essa história e explicando o porquê de sua determinação em ser um pai exemplar e extremamente dedicado. Eu não sabia, até então, mas ele tinha pressa. Apontando para o banco de trás do carro, onde o filho dormia, meu amigo falou: – É por esse piá que eu fabrico tempo todos os dias. Quando chego em casa, deixo tudo que é de fora do lado de fora e dedico 100% do meu tempo para dar atenção redobrada a ele, pois sei bem a falta que meu pai me fez a vida toda. Cobro a lição, conversamos bastante, mergulho no universo dele. Somos exatamente iguais nesse instante.
As palavras ficaram tatuadas em minha memória. Por uma dessas fatalidades revoltantes do destino, meu amigo morreu naquele mesmo ano, em decorrência de um acidente de carro no interior do Paraná. Parece que ele já adivinhava que deixaria órfão o filho, com uma idade bem menor do que a sua quando perdeu o pai. Ele realmente tinha pressa!
E eu contraí uma dívida naquele momento. Qualquer hora dessas, se tiver a oportunidade de encontrar esse menino, que hoje deve estar perto de completar seus 20 anos de idade, quero contar para ele sobre essa conversa na estrada. Ele deve ter a compreensão exata de quem o pai era e como encarava as responsabilidades de uma paternidade, esse compromisso que estabelecemos com um mundo lá fora, a partir dos gestos, da educação repassada e dos legados que deixamos. Deve saber de tudo isso pela mãe, uma pessoa também generosa, consciente e dedicada. Mas eu preciso mesmo contar essa história para o filho do meu amigo. Devo isso à criança. Para que, um dia, ela passe adiante e transmita às futuras gerações valores que perpetuem em nossa sociedade a magnitude e a beleza desse amor.
Tenho certeza de que o piá expressa naturalmente e tem isso gravado, impresso em seu caráter. Mas não custa reforçar. Quito minha dívida e devolvo em gratidão a sabedoria adquirida naquela carona de 260 quilômetros. É o mínimo por um voto de esperança e de confiança de que podemos fazer mais e melhor por esse nosso mundo, ao longo da nossa caminhada. Mas é preciso se apressar!