11:27A luz que sai de um cano

por Ruy Castro

Há um mês, quando o país discutia a “flexibilização” do porte de armas—para que, com um revólver no cinto, os brasileiros pudessem andar tranquilos pelas ruas—, uma frase me chamou a atenção: “Somos a favor do porte de livros. A melhor arma para salvar o cidadão é a educação”. Fora dita por Marilena Umezu, professora de um colégio em Suzano, no interior de São Paulo. Como a mim, a frase deve ter sensibilizado muitos. Infelizmente, só soubemos dela pelo ataquecontra aquele colégio por dois ex-alunos armados, que resultou em dez mortes —das quais a primeira foi a de Marilena, que recebera os assassinos na porta com um sorriso.

O porte de livros deve ser uma ideia esdrúxula para os que defendem o porte de armas. Um livro não dispara, não pode ser recarregado, não empresta macheza a ninguém. Já uma arma de fogo é enfática, passa sentenças definitivas e não apenas cala, como suprime seu interlocutor —fala a língua do Juízo Final.

Os partidários da arma de fogo devem saber que, desde o primeiro tiro, disparado por um canhão, no século 13, ela já matou mais do que todas as fatalidades, doenças e pestes juntas. Se isto os deixa excitados, talvez se espantem ao saber que as ideias contidas nos livros provavelmente mataram ainda mais —e que a maioria das guerras que eles admiram saiu das páginas de um livro.

A diferença é que os livros, com muito maior frequência, também salvam vidas, constroem civilizações e iluminam a humanidade. Não é possível dizer isto de uma arma de fogo. A única luz que ela produz é a da chama que sai de seu cano —e cujo objetivo é apagar a luz de quem ela tiver como alvo.

Há pouco, um idiota comparou uma arma de fogo a um liquidificador, em relação ao seu perigo potencial. É difícil imaginar liquidificadores tão letais quanto armas de fogo portadas por supostos profissionais  —como soldados do Exército— e apontadas contra um inocente.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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