Macalé comeu flor no palco. O público uivava e vaiava. Moreira da Silva então fez. Gingou, foi até a beira do tablado, e chutou – sola e salto fazendo barulho antes de o sapato cortar o ar. Voltou, com seu terno de linho branco, chapéu impecável – e chutou de novo. Era um chute na cara daqueles panacas que não respeitaram nem a idade do Kid Morengueira. Lembrei disso num momento de raiva, hormônios fervilhando, olhos metralhando qualquer coisa para aliviar o nó aqui dentro. Vou chutar a cara! Vou chutar a cara! Mas qual? De quem? Olhei no espelho pequeno, no quarto do cortiço, e o que vi já era. Uma caminhada longa para isso? Nem sobrancelhas tenho mais. Metade ficou pelo caminho e duas bolsas embaixo dos olhos estão secas, porque o choro gastei nos enterros dos meus. Tirei o espelho de pobre do prego torto. Coloquei no chão e fui pisar. Mas isso não valia. Tinha de ser a minha cara. De volta ao prego, obviamente eu não conseguiria dar um bico nele. Fui dormir. Cantando “Amigo Urso”.