de Fernando Muniz
“A senhora por acaso tem um caixão guardado em casa”?
“Como”?! A mulher faz um ar ofendido. “Que pergunta esquisita”!
“É, mas deixa pra lá. Não tem não, né”?
“Não”!
O investigador coça a cabeça, olha para os lados e solta um suspiro, resignado por ter de repetir a mesma pergunta pela vizinhança. “Acredito na senhora. Tenha um bom dia”.
Mal ele vira a esquina e o pessoal pega faixas e cartazes, veste fantasias improvisadas e corre para a praça central da cidade.
No coreto, um orador atrás do outro tenta explicar a situação. “Ó, o prefeito não deixou o nosso bloco sair”. Vaias, assobios, palavrões. “Peraí, pessoal. Quem disse que não vai ter bloco”? Um surdo começa a dar o ritmo, reco-recos e cuícas também. A multidão, ressabiada com boatos de que a polícia prendera foliões, se anima e, sem organização ou rumo, começa a se movimentar, com dois caixões que passam de mão em mão, um para enterrar a reforma da Previdência e o outro, para a “Políssia”, escrito assim mesmo, às pressas.
A cavalaria da PM surge em um canto da praça. Os mais exaltados reagem soltando rojões rente aos cavalos; alguns chegam a empinar. Um policial é apeado e cai no teto de um carro. Mesmo zonzo, prende um bêbado que ri da sua queda – para não perder autoridade. Viaturas tentam bloquear as saídas da praça, mas a multidão escorre embora, tal água da chuva.
Assim que as notícias chegam à prefeitura a assessoria relaxa, aliviada. A aposta do prefeito, de fazer uma gestão austera e em prol dos bons costumes, parece passar no teste das ruas. “Não vai ser uma meia dúzia de baderneiros que me fará voltar atrás. Ainda por cima em uma quarta-feira de cinzas”. Pega o lenço e enxuga a testa. “Onde já se viu, que falta de respeito, bater bumbo na Quaresma”!
Mas em vários pontos da cidade moradores se juntam cantando marchinhas, felizes; surdos e reco-recos voltam a dar o ritmo. Ninguém quer ficar em casa e perder a diversão. Os policiais não sabem como agir, pois não há líder a ser preso, não existe centro naquela anarquia. E o que fazer com a criançada que faz guerra de serpentina?
O prefeito ordena reforços à capital. “Negativo, doutor. Tanta gente assim nas ruas não é algazarra, é festa. Passe bem e se divirta, com moderação”.
Outro cortejo fúnebre aparece. Dentro do caixão, um boneco do prefeito, fantasiado de Carmen Miranda.
Carregado por umas viuvinhas de minissaia.