por Dirceu Pio
Ainda em novembro de 2018, escrevi a O Antagonista pelo facebook sugerindo que parassem de picotar a notícia como começaram a fazer de uns tempos para cá…minha preocupação era feita de pura ingenuidade…
Depois da picotagem ou fragmentação da notícia na “boca da rotativa” – vamos dizer assim – vem outra, ainda mais radical, introduzida pelos algoritmos das grandes plataformas …se uma notícia é fragmentada em cinco pedaços na postagem e em seguida compartilhada por alguém, nenhum dos internautas em rede vai receber os cinco fragmentos na mesma ordem, sequência e horário …nas redes sociais, as pessoas se habituam a formar opinião a partir de notícias incompletas ou de fragmentos delas, muitas vezes desconexos…
A fragmentação produz maior quantidade de “notícia” e esta, por sua vez, é que vai produzir maior quantidade de wiews…Os antagonistas vão ficar ricos, antes de informar…
Mas não é apenas isto ! Os antagonistas – Diogo Mainardi, Mário Sabino, Cláudio Dantas – têm aberto lives na internet para tentar explicar as críticas – em volume ascendente – que o site tem recebido do que eles chamam, impropriamente, de “franjas bolsonaristas”…pelo que dizem, as críticas recaem sobre o tipo de cobertura que eles têm dado aos casos Fabrício Queiroz e Bebiano, como exemplos….
TURBILHÃO
Mal sabem as “franjas bolsonaristas” que isto também é consequência do turbilhão eletrônico em que estão enfiados…
Zeynep Tufekci, professor associado da Universidade da Carolina do Norte e colaborador de opinião no New York Times, no belo artigo “Como a mídia social nos levou da Praça Tahir para Donald Trump”, explica as razões que levaram, em sete anos, as tecnologias digitais a deixar de ser aclamadas como ferramentas de liberdade e mudança para serem culpadas por convulsões nas democracias ocidentais – por possibilitar maior polarização, crescente autoritarismo e intromissão nas eleições nacionais pela Rússia e outros países….
Super bem informados, os antagonistas conhecem todas as razões dessa metamorfose e, certamente, decidiram não lutar contra a correnteza…”Já que o céu nos ameaça, toca para o inferno”, devem ter decidido, lembrando-se de um dos contos de Monteiro Lobato…
Eles sabem, portanto, da conclusão magistral de Zeynep Tufekci: “…no século 21, é o fluxo de atenção, não a informação (que já temos muito), que importa”.
SEM HIERARQUIA
É pois a compreensão desse preceito que leva os sites noticiosos a dar ampla cobertura – e cobertura enviesada – a assuntos que bombam na internet, ainda que sejam, como bem definiu Olavo de Carvalho, “factóides ridículos”.
Soma-se a isso que o meio eletrônico privilegia o fluxo e faz deste a rainha da bateria da escola….na vala comum dos noticiosos eletrônicos, joga-se no lixo o olhar do editor e a hierarquia da informação, de modo que a nota mais banal acaba tendo, para quem consome, a mesma importância da notícia do atentado sofrido pelo candidato Jair Bolsonaro…
“É, mas O Antagonista divulgou em primeira mão a contratação pelo gabinete do deputado Flávio Bolsonaro de dois líderes milicianos…..”, defendeu-se Diogo Mainardi. Diante do argumento, as “franjas bolsonaristas” devem ter-se perguntado: “E daí ? Ao usar essa mesma informação em artigo, o Fernando Gabeira foi mais honesto: colocou-a na linha do tempo para relembrar que as Milícias, antes de partirem para o crime desbragado, eram vistas como uma possível solução para a violência no RJ”.
BELO ARTIGO
O artigo, quase um ensaio, de Zeynep Tufekci, é mesmo portentoso ! Vejam só o que ele escreve neste trecho:
“As plataformas digitais permitiram que as comunidades se reunissem e se formassem de novas maneiras, mas também dispersaram as comunidades existentes, aquelas que assistiram aos mesmos noticiários de TV e leram os mesmos jornais. Mesmo morar na mesma rua passou a significar menos quando as informações são disseminadas por algoritmos criados para maximizar a receita, mantendo as pessoas coladas nas telas. Foi uma mudança de uma política pública coletiva para uma política mais privada e dispersa, com atores políticos coletando mais e mais dados pessoais para descobrir como apertar os botões certos, pessoa por pessoa e fora de vista”.
Ao turbilhão se juntam ainda, além da microdisseminação, da mudança de foco, da prioridade do fluxo e da manipulação cavalar das informações pelas grandes plataformas, as fakenews e “as tecnologias da publicidade que, em alguns casos, instalam malware nos equipamentos dos usuários, ameaçam a privacidade e segurança dos leitores e podem danificar ainda mais a imagem dos provedores, entre tantos outros problemas”. (todo jornalista deve ler o Guia para a Tecnologia Publicitária, produzido por Elizabeth Anne Watkins, da Columbia Journalism Review).
DE BRAÇOS DADOS COM O CAPETA
Outra informação passada por Zeynep Tufekci mostra com clareza o supremo grau de manipulação das informações pelas redes sociais: “Uma investigação do Wall Street Journal no início deste ano – 2018 – descobriu que o algoritmo de recomendação do YouTube tendia a levar os espectadores ao conteúdo extremista, sugerindo versões mais ousadas do que quer que estivessem vendo – uma boa maneira de prender a atenção deles”.
Não há mais dúvida de que, depois do declínio da mídia impressa e da disrupção que começa atingir a TV aberta, a notícia surge abraçada com o demônio…