16:19Previdência: a reforma necessária e a crueldade desnecessária

por Paulo Falcão

A reforma da previdência é necessária. Ninguém que analise as contas públicas e as projeções de déficits pode dizer o contrário sem malabarismos matemáticos. Mas também não há dúvida de que o Brasil pode ter uma reforma da previdência mais justa do que a apresentada.

Para que possamos deixar o modelo em que o povo serve ao estado e iniciarmos a fase que dá sentido às democracias, em que o Estado serve ao povo, precisamos estabelecer alguns parâmetros.

Em primeiro lugar, me parece socialmente injusto que a reforma atinja negativamente pessoas que recebem ou receberão 1 salário mínimo. Não são elas que desequilibram o sistema e certamente terão dificuldade em se manterem ativas até os 65 anos (homens) e 62 (mulheres).

O custo social de uma medida desta natureza é brutal e o custo financeiro para as contas públicas pode ser rateado entre os trabalhadores da ativa com alíquotas progressivas um pouco mais altas, principalmente se os privilégios indefensáveis dos servidores civis e militares da União, Estados e Municípios forem reduzidos de forma substancial.

Para que fique mais claro, veja estes números:

O chamado Regime Geral de Previdência Social, que é definido pelo artigo 195 da Constituição Federal, atendeu aproximadamente 27 milhões de aposentados e pensionistas em 2016, com déficit de R$ 149,7 bilhões. Aqui, as contas apontam um déficit de R$ 5.544,00 per capita.

Agora compare com o chamado RPPS (Regimes Próprios da Previdência Social) que atende aos servidores civis e militares da União, Estados e Municípios. Aqui, para o pagamento de apenas 982 mil aposentados e pensionistas, o déficit foi de R$ 77,2 bilhões, ou R$ 78.615,00 per capita.

Em outras palavras, 982 mil pessoas privilegiadas do setor público (3,5%  do total de aposentados) provocam um déficit que equivale a 33% do déficit total dos RGPS e RPPS juntos. Estão incluídos aí benefícios indecentes como pensões generosas para filhas solteiras, por exemplo (a capacidade do setor público em se auto conceder privilégios pagos com dinheiro dos contribuintes é espantosa).

Outro ponto injusto da reforma é o que atinge o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um benefício criado pela Lei 8.742 de 7 de dezembro de 1993 para amparar pessoas à margem da sociedade e que não podem prover seu sustento. O benefício assegura hoje um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção.

O benefício foi pago a 4,4 milhões de pessoas em 2016, sendo 2,4 milhões portadores de deficiência e 2 milhões idosos. Me parece óbvio que é preciso regras claras e transparência para evitar fraudes, mas trata-se de um benefício socialmente justo que precisa ser mantido.

A proposta apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro precisa ser melhorada pelo congresso. Se a sociedade se mobilizar dizendo o que quer e o que não quer, é perfeitamente possível.

A verdade é que quando se fala em Reforma da Previdência, cada político, militar e servidor defende e justifica seus privilégios, mas são exatamente estes privilegiados que precisam pagar as maiores parcelas do ajuste, para que aqueles que já não têm nenhum privilégio não caminhem para perder os poucos direitos que têm.

É mais fácil jogar o custo sobre os mais pobres, mas é indigno e uma crueldade desnecessária.

*Publicado no blog “Questões Relevantes”

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