por Ruy Castro
Abro um exemplar da revista The New Yorker, de que sou assinante. É de dezembro último. Displicente, eu a jogara na cesta de revistas sem ler. Abrindo-a de trás para frente, como todo velho revisteiro, deparo com um artigo de Hannah Arendt, a escritora alemã, sobre o poeta W. H. Auden. A primeira frase já é uma beleza: “Conheci Auden muito tarde para ele e para mim —numa idade em que não é fácil formar uma amizade mais íntima, porque já não nos resta muito tempo para estar juntos”. Estranhei: ué, Hannah Arendt morreu em 1975 —de onde a New Yorker tirou esse artigo dela?
Antes que pudesse responder, passo pela seção de ficção e vejo um conto de John Updike, também morto (em 2009), “Neve em Greenwich Village”. O que está acontecendo? Mais algumas páginas, e surge uma longa reflexão de James Baldwin sobre o que Deus representava para um jovem negro e gay no Harlem dos anos 30. A extraordinária foto de Baldwin que ilustra a matéria é de Richard Avedon. Mas Baldwin também morreu, em 1987, assim como Avedon, em 2004. E só então me dei conta de que estava me deliciando com cartuns de Peter Arno, Otto Soglow e Saul Steinberg, três dos grandes que desenhavam para a New Yorker no passado e que já se foram há muito.
E não só isto, mas a revista continha poemas por Elizabeth Bishop e Marianne Moore, uma resenha de Nora Ephron sobre livros de culinária e uma página dupla com capas antigas, uma delas, por Carl Fornaro, com data de 21 de março de 1925, dias depois de fundada a revista —e todas tendo Nova York como motivo.
Voltei a folhear página por página e só aí descobri o óbvio: era um “número de arquivo” da revista, todo ele usando material já publicado —e todo sobre Nova York.
Pensei no grosso da nossa imprensa, que só quer saber de material inédito, e admirei mais a New Yorker, que não se envergonha de requentar grande material usado.
*Publicado na Folha de S.Paulo